Ano 06 nº 005/2018 – QUANTOS CARNAVAIS EM JAGUARÃO? Dos tratorzinhos aos trens
Por Lenice Rodrigues Antunes
A batucada se aproxima, mas eu adoro lembrar os carnavais do passado. Desde que passei a morar sozinha (há pouco mais de um ano) se tem algo que me acompanha por onde vou é o carnaval. No ano passado tinha diante da minha porta a minha Onça – Escola de Samba Aguenta se Puder. Nesse ano, da janela do meu quarto ainda tento entender o samba-enredo da Estrela D’Alva que ensaia a poucos metros. Fica a curiosidade, até o grande dia, do que a Escola de Samba Palestina vai trazer sobre o pequeno grande uruguaio, Dionísio Diaz.
O carnaval de Jaguarão mudou muito, e como eu comecei cedo, percebi e senti toda essa transformação. Tinha 12 anos quando minha mãe me levou pela primeira vez a um baile de carnaval no finado e eterno, Clube Caixeral Navegantes. E começar cedo só me dá uma vantagem: a de ter bastante história para contar. Já tinha um namoradinho (namoradinho mesmo) e claro que nesses bailes à noite, no meio dos adultos, era um cuidando do outro. Enquanto isso, eu observava no salão minha mãe com as amigas cantando Arerê e fazendo trenzinho, dançando com elas sem parar e pensava: Senhor!
E se tem coisa que dá um saudosismo do cão são os bailes de carnaval nos clubes. A gente dançava a noite inteira, andando em círculos no salão até ficar tonto (mas na verdade nunca ficávamos tontos). Nos bailes do Caixeral, lá pelos anos 1900 e lá vai pedrada, tinha o camarada da conscientização. Ele realmente conscientizava o povo a usar preservativo todas as noites, o tempo todo, pois não lembro de ter visto ele uma noite sequer sem exibir o pacote de camisinha entre os dentes enquanto dançava no salão. Era o que de mais engraçado eu via na noite com a idade que tinha. Só que com essa idade eu não estava muito preocupada em entender como as pessoas se comportavam durante as noites de folia. Com 12 anos, num baile de carnaval, eu saía de casa pensando na batatinha frita que com certeza ia comer umas cinco vezes no terraço. Ir para o terraço do clube para comer batata frita com uma “coquinha” era para glorificar de pé, já que eram necessários 10 minutos de dança para que a gente derretesse de calor. E digo calor, pois a sensação era de brotar fogo do chão mesmo.
Uns anos depois (uns dois ou três), “ascendi” para os bailes do clube Jaguarense (os infantis e os adultos). Já não tinha mais o namoradinho e vi como as “paquerinhas” de carnaval eram legais. Era algo mais delicado. Os guris te tiravam para dançar e depois de umas 20 voltas no salão e umas boas trocas de olhares é que podia rolar um beijo (e nem sempre rolava). Muitas vezes a gente dançava para não dar o famoso “carão” e sair por antipática, mas a gente também era esperta e sempre tinha um jeitinho de sair sutilmente da dancinha com um “vou buscar minha amiga” ou “vou comprar uma água” e ADIÓS. O tempo passou um pouco e eu procurava manter o ritual da batatinha frita com coca-cola. Agora, uma coisa estava sacramentada: carnavais de clubes terminavam na frente da casa de suas rainhas. Subiam, rainha e banda, em cima do que quer que fosse (caminhão, caminhonete, carrocinha) e o arrastão seguia atrás para levar a rainha do clube em casa. Sorte dos foliões que as rainhas, geralmente, não moravam muito distante dos clubes, do contrário haveria apenas cinzas pelo caminho no amanhecer das quartas-feiras.
O carnaval de rua nem se compara ao que é hoje. Só para se ter uma ideia, as pessoas que queriam camarotes tinham apenas que passar uma noite inteira numa fila em frente ao Teatro Esperança que no outro dia feitooooo! Agora a coisa é abaixo de leilão mesmo e quem quer tem que estar pronto para desembolsar cerca de 3 mil contos E. quem não tem para os camarotes que amarre bem forte sua cadeirinha de praia nas calçadas da avenida para não perder o espetáculo.
Nosso antigo carnaval de rua, não tinha trios nem trens, mas reboques puxados por tratorzinhos. Não tinha banda ao vivo em cima, nada disso. Mas tinha uma coisa legal: mais criatividade e suspense. Esses grupos que remontam a época dos reboques eram muito criativos na elaboração de camisetas. A cada janeiro era uma ansiedade só, pois os grupinhos faziam questão desse suspense sobre as ideias das camisetas. Vamos lembrar alguns: Kistadão, Ordem dos Alcóolatras do Brasil – OAB, Comando do Trago e Socapicanela (nome trágico para nós mulheres). Todos esses grupos são finados gente, mas fizeram história. Lembro de um ano em que o OAB transformou o reboque num quiosque e o Comando do Trago num tanque de guerra (o Comando fazia até maquetes do que construiria sobre o reboque)
Com o tempo outros surgiram: Marajás do Trago (que saio hoje, mais conhecido por Trio Marajás), Acanhados, Aprovados pelo Inmetro (o que saí por siglos), Chopados, Cravo e Cranela (outro nome trágico, mas que agora também passou a Trio do Cravo), o Trio da SAC – Sociedade Amigos do Coronel e o poderoso e empresarial Trem Bala. Nossos hoje trens de gente. Mas sejamos humildes: tudo começou com o Trio da Botica (da finada farmácia Botica). No meio de todos esses reboques aí que viraram trios elétricos, o único caminhão com som que passava na avenida era o Trio da Botica. E era muito bonito de ver o Trio da Botica, pois dava pra ver os pais felizes curtindo o carnaval, ao mesmo tempo que podiam cuidar seus filhos que também felizes brincavam em cima do caminhão (geralmente tirando um sarro dos mascarados).
O carnaval de Jaguarão, antes de fazer todo esse sucesso no Estado inteiro, já era conhecido por ser muito eclético. Aqui temos de tudo. Vamos da escola de samba, passando pelos conjuntos, blocos, finalmente chegando aos hoje famosos trios. E não podemos esquecer da participação da vizinhança uruguaia com a Máfia (o trio que lembra perfeitamente a torcida do Boca em La Bombonera). Não precisavam de som mecânico nem banda. Se estivessem com as gargantas em dia e as bandeironas na mão, estava feito o carnaval para eles. Vão deixar saudade.
É fácil se apaixonar pelo carnaval de Jaguarão, e a gente fazia qualquer coisa para estar nele. A primeira vez que repeti de ano no colégio minha mãe me deixou de castigo. Qual seria o castigo mais cruel para mim? Sem carnaval! Só que ela cometeu duas falhas: foi para o carnaval me deixando sozinha em casa e esqueceu que eu tinha amigas. Qual foi a solução para ir ao carnaval sem ser pega pela mãe? Mascarada, claro! Não demorou muito para as amigas chegarem em minha casa com uma fantasia de presidiário (aquela com listras brancas e pretas). Não pensei duas vezes. Vesti e #partiu. O disfarce funcionou muito bem até eu dar de cara com a bonita da minha mãe bem feliz no camarote da minha madrinha me apontando o dedo lá de cima. A pior parte foi saber que ela me reconheceu não por minha causa, mas por causa da minha amiga, que não tinha fantasia para se mascarar e resolveu se enrolar num lençol igual a uma turca e andava pela avenida arrastando o chinelinho Havaianas de um jeito único, só dela.
Passei uns bons anos de carnaval apenas saindo no Aprovados pelo Inmetro com o meu namorado (exatamente 15 anos de Aprovados e de namoro). Nesse trio sempre houve uma particularidade: um integrante que todo ano caía de algum lugar e quebrava alguma parte do corpo. Só consigo lembrar dele durante os carnavais com muletas por perto, pois ele se quebrar de tão feliz era tão certo como 2 + 2 são 4.
Como já disse, escolas de samba passaram a me acompanhar (ou eu a acompanhá-las, já nem sei mais) de uns tempos pra cá. Lá pelos 2006, 2007 comecei a frequentar os ensaios da Escola de Samba Aguenta se Puder na, ainda hoje, Toca da Onça. Demorei só cinco anos para decidir que queria sair na escola, só não sabia onde (se em chão, carro, etc). Quando assistia os desfiles achava o pessoal das alas meio perdidos no mundo sem saber o que fazer além de cantar o samba e como dançar. Eu sabia duas coisas (de mim): tinha que estar perto de pessoas conhecidas e tinha que fazer algo sincronizado. Bingo! Comissão de Frente, 2011 lá vou eu. Sair na minha Aguenta se Puder foi, sem dúvida, uma das melhores coisas que fiz de todos esses carnavais contados acima. Uma escola de samba de Jaguarão não é uma Mangueira, Portela ou Beija-flor, mas se você se sente parte dela você chora, com certeza. Escutava meu presidente falando antes do desfile e tinha que prender a respiração porque as águas iam rolar, sem dúvida. Então nesses tempos modernos de carnaval em Jaguarão, 2011 e 2012, meus dois anos de comissão de frente na Aguenta se Puder, foram os melhores.
Claro que tudo sofre modernização com tempo. O carnaval de Jaguarão hoje além de cultural é empresarial (rende bons frutos para quem se envolve com ele), mas o bom de começar cedo é poder lembrar daquele tempo em que a brincadeira e a fantasia eram o mais legal e a lucratividade não tinha tanta importância.