Ano 08 nº 179/2020 – Quanto vale o nosso tempo? 3 lições que a pandemia propiciou/ Coluna Saulo Eich
Por Saulo Eich
Talvez o ponto mais relativo da vida seja sobre como mensurar o tempo.
Em tempos de isolamento social, há muitas pessoas angustiadas com o excesso de tempo em casa, mesmo que estejam, muitas vezes, exercendo suas atividades profissionais em home office. E a pandemia do coronavírus pôde propiciar faces diferentes de uma reflexão acerca do mesmo questionamento: afinal, quanto vale o nosso tempo?
Na segunda quinzena de março de 2020, o fluxo de vida da grande maioria das pessoas sofreu um considerável impacto, quando a recomendação das autoridades de saúde era quase que unânime pedindo para que todos nós nos recolhêssemos em nossas casas e lá ficássemos para, além de nos proteger, proteger as pessoas ao nosso redor. E, de repente, a primeira face dessa reflexão, na tentativa de mensurar o valor do tempo, se mostrou: não interessavam os prazos de trabalho, não interessavam as formaturas agendadas, não interessava o calendário de aulas que estava recém começando, não interessavam as viagens agendadas, não interessavam as consultas e exames já marcados. Não interessava nada, porque nada, naquele momento, era mais importante do que pausar para prevenir. E, dessa forma, conseguimos entender, na prática, o quanto todos os nossos compromissos são urgentes até o momento em que simplesmente deixam de ser. E, sim, podem deixar de ser urgentes a qualquer momento. Basta que algo mais urgente se sobreponha a eles. Aqueles que souberam aproveitar algo de bom nesse momento adverso tiraram uma lição: a vida precisa ser levada a sério em todos os seus protocolos, em todas as demandas que ela nos impõe, mas não a ponto de esquecermos de viver a intensidade de coisas tidas como ‘menores’.
Então, uma outra face dessa mesma reflexão sobre tempo e vida surgiu: uma perspectiva que nos fez olhar de frente e de maneira assustadora para a finitude de cada um de nós. De repente, o mundo começou a contabilizar milhares de mortos, por uma mesma causa, em um curto espaço de tempo. E, quando vimos, o Brasil já contabilizava mais de 100 mil mortos por Covid-19. E, nesse sentido, pensar na finitude da vida ganhou um caráter mais efetivo, mais medroso, mais acuado, eu diria. E daí, aprendemos outra lição: a vida precisa ser levada a sério em todos os seus protocolos, em todas as demandas que ela nos impõe, mas não a ponto de esquecermos de viver a intensidade das relações com aquelas pessoas que amamos.
6 meses se passaram desde o primeiro caso de Covid-19 registrado no país e uma terceira face dessa mesma reflexão sobre os efeitos do tempo em nossas vidas surge: o tempo naturaliza o caos. Se, para muitas pessoas, os meses que passaram desde o início da pandemia aqui, no Brasil, não alteraram na forma cuidadosa e alerta com que encaram e pensam a situação atual; para muitas outras aconteceu o contrário, passando a existir uma nova forma de ver tudo isso. Uma forma que nos diz que, apesar de termos interrompido ou desacelerado rotinas lá atrás e de termos passado a conviver com uma significativa estatística – que ainda cresce diariamente – de infectados e mortos por um vírus, nós parecemos ter ‘diluído’ o pânico inicial em um copo cheio de algo anestesiante chamado de ‘o novo normal’. Se as mortes passaram a assustar menos, a possibilidade de infecção passou a assustar menos ainda. E o medo sentido, quando ouvimos falar sobre a primeira morte por Covid-19 no país, parece ter sido imensamente maior do que o medo diante dos aproximados 140 mil mortos registrados nos últimos dias.
De certa forma, banalizamos a pandemia. Se isso, por um lado, reflete uma acomodação irresponsável, visto que ainda existe o risco real de contágio e que muitas famílias perderam seus entes em decorrência do vírus; por outro, diz respeito a um processo necessário, no sentido de que nós, seres humanos, temos que lidar com situações difíceis de uma maneira mais suportável. Caso contrário não suportaríamos a nossa existência. Diante dessa nossa capacidade de naturalização e adaptação a situações extremas, nos aproximamos da terceira lição sobre o tempo: as adversidades da vida nos colocam em situações que, muitas vezes, nos fazem ter a sensação de impotência ou de dificuldade em lidar com elas e suportá-las; mas, se, por um lado, não nascemos preparados para nada; por outro, desenvolvemos o necessário preparo ao longo das nossas próprias vivências. Assim, é só com o passar do tempo e olhando reflexivamente para trás que conseguiremos entender ao que, de fato, se refere esta terceira lição que mencionei e que posso resumir na seguinte conclusão: geralmente conseguimos suportar mais do que imaginávamos que suportaríamos.
Até o mês que vem!
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Saulo Eich é psicólogo clínico infantil e adulto, de abordagem Cognitivo Comportamental, em Bagé/RS.