Ano 10 nº 039/2022 – Política e cultura

A coluna que apresentamos abaixo é um #tbt de 2013. O historiador José Roberto Severino é um dos nossos colaboradores mais antigos. Foi colunista do Junipampa no período de 2012-3. Com a republicação de sua coluna, queremos celebrar os 10 anos do Junipampa e agradecer a todos nossos colunistas, que fizeram do nosso projeto de jornal uma realidade. 

Por José Roberto Severino (UFBA)

O patrimônio cultural de um país como o Brasil emerge como resultado de lutas por representação travadas na sociedade. Desde 1937, com a criação do Sphan, muita coisa mudou em termos de participação política e democracia que dizem respeito à cultura e patrimônio. Mesmo assim, as populações de origem indígenas e africanas se ressentem pela invisibilidade nestas representações da sociedade brasileira frutos de políticas patrimoniais. A ausência nos meios de comunicação de massa de uma produção regional é um dos sintomas de amplos processos de exclusão dessa minorias. 

A força da grana que ergue e destrói coisas belas, disse Caetano Veloso ao se referir às transformações de São Paulo vividas nos anos 70. Aquela cidade é exemplo de transformações profundas promovidas pela ideia de progresso e desenvolvimento, mas que podem ser observadas em todo o Brasil Exemplo disso é o que ocorreu ns áreas centrais e adjacentes do mar e dos rios, que experimentam a pressão imobiliária para a verticalização versus a preservação de patrimônio/ meio ambiente. Fato vivido pelas comunidades tradicionais em muitas partes do território brasileiro. Luta nem sempre gloriosa. Uma  leitura que pode ser feita pelas fotografias do século 20, das áreas urbanas de Salvador e do Recôncavo Baiano, fartamente documentado por fotógrafos profissionais e amadores. As edificações populares, os engenhos e fábricas, templos e escritórios que sediavam as atividades do transporte de passageiros e cargas, atividades de exportação e importação dos produtos da área rural e ribeirinha, os saveiros. O registro de uma Salvador nada generosa se apresenta nas imagens de A grande feira (1961), de Roberto Pires, e também nos dá uma dimensão deste patrimônio cultural consolidado como representação, que traz inúmeras tensões acerca das escolhas daquilo que deve ser preservado. No filme a tensão é com a feira livre – patrimônio popular e marcado pelo descaso das autoridades. E este problema da preservação não é exclusivo do Brasil, como ressaltou recentemente o diretor Martin Scorsese, sobre a necessidade de políticas para a restauração e a conservação de filmes no fórum Jefferson no Centro John F. Kennedy de Washington. 

Já em relação à preservação de patrimônio arquitetônico, alguns edifícios são tão antigos como a cidade, outros intermediários, outros tantos novos, e que configuram no desenho urbano inscrições com maior ou menor importância para as pessoas que ali habitam. As primeiras igrejas, as escolas laicas e religiosas, os edifícios públicos, como prefeitura, fórum, cadeia pública, museu. Como o Museu do Índio, edifício da zona norte do Rio de Janeiro, palco dos conflitos sobre seu uso. A Aldeia Maracanã, ressignificação do espaço feita por indivíduos de diversas nações, lutam contra as decisões que engolfaram o espaço em projetos voltados para os megaeventos esportivos que ocorrerão nos próximos anos na cidade. O projeto prevê a reurbanização a partir da demolição do edifício. Desvalorizados tanto quanto a casinha do bedel, a servidão pouco conhecida, a esquina dos encontros sorrateiros, ou ainda o antigo consulado e o bordel. Ou seja, antes de tudo, a cidade é um lugar onde as pessoas vivem, sonham, amam, mas também é o espaço do disciplinamento e da civilização ou civilitas, com o diziam os romanos, do exercício da fé, além de ser o local de trabalho para muitos que nem ali habitam. Portanto elas estão inscritas na memória social de todos os seus envolvidos, e compõem muitas vezes códigos invisíveis, que atuam no tecido urbano. As experiências a partir da lei 10.639 e das ações de educação patrimonial, por exemplo, contribuíram muito para a configuração de uma disputa simbólica mediada politicamente. Neste sentido, há um conjunto de leis e ações que se desdobraram desde o final dos anos 80 comportando aí o que poderia ser definido como Políticas de Cultura e de Patrimônio. Mas principalmente em desenvolver uma consciência cidadã, participativa dos processos decisórios sobre os destinos do local. Neste aspecto, cabe ainda ressaltar os desdobramentos na educação, na formação de acervos, na produção de material didático e na capacitação docente para a pesquisa e atualização temáticas, especialmente nas implicações no campo prático da docência.

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