Ano 07 nº 010/2019 – Coluna do Emiliano
Por Emiliano Kelm
Mamífero, estudante de Filosofia na Universidade Federal de Santa Maria e apaixonado pelas tradições orientais. Tão amante das palavras quanto do silêncio.
Pornografia e banalidade
A banalidade impregna tudo o que fazemos, se permitirmos. Ela se alastra pelas relações, pelo cotidiano, pela arte que consumimos…
A meu ver, é o tom característico da sociedade em que vivemos.
A banalidade é essencialmente um estado de espírito.
Surge quando a luminosidade da mente está baixa, amortecida, incapaz de fazer jus ao mistério que é existir.
Ela é uma forma de se relacionar com a vida. Uma familiarização nociva com os fenômenos, um anestesiamento do olhar e do sentir.
Esse estado anseia o preenchimento e elege a produção e o consumo como seus ideais.
Estes sendo os ideais, a educação passa a desfavorecer o encantamento.
Frente a isso, resistir à banalidade é resistir ao embrutecimento.
O seu oposto é a sensibilidade, o frescor do olhar, a capacidade de se envolver com a vida intimamente.
A pornografia é a chegada da banalidade sobre o erotismo, uma das nossas maiores fontes de cura.
O erotismo é o sutil, a pornografia é o explícito.
O sutil não é exposto, e percebê-lo requer um envolvimento de todo o ser.
Por envolver mais, o erotismo mostra mais. Mais do que o explícito.
O erotismo requer mais, pois não está concentrado em um só órgão, em um só lugar. O erotismo é uma energia que paira, está espalhada e pode ser inspirada, sentida nas narinas.
A prostituição filmada é o atordoamento da sensibilidade, anestesiada pela repetição plástica. É a cegueira provocada pela visibilidade exaustiva.
A pornografia é a morte do erotismo.
Uma vez anestesiada, a sensibilidade deixará passar o fato de que o erotismo está em toda a natureza. Nas folhas que tremem ao vento, nas raízes que penetram a terra, nas areias que beijam o mar.
Uma relação erótica com a natureza é a cura que o homem branco desviu.
Olhou a natureza sem Ver.
A natureza não foi vista nem como mãe nem como amante, mas como madrasta.
Ou, ainda, como uma virgem a ser explorada.
Esse olhar predador, cujo brilho desaparece, quando o desejo é saciado, é o olhar pornográfico.
É ele que impera em nossa sociedade.
E eu não sou imune a esse olhar, ele está em meu DNA. Mas transcendê-lo é uma escolha de instante em instante.
O primeiro passo foi parar de assistir pornografia.
Foi umas das coisas mais difíceis que já fiz e a neurociência me explicou o porquê.
A cada vez que uma imagem pornográfica é acessada, uma foto que seja, é liberada uma dose de dopamina no cérebro.
A dose é tão alta que poucas coisas em nosso cotidiano são capazes de igualá-la. Imagine então o efeito de vídeos, milhares de imagens em sucessão.
Só que o cérebro rapidamente se habitua a essas doses, ficando cada vez mais insensível a elas.
Passamos a necessitar de gatilhos cada vez maiores, outros tipos de pornografia e com cada vez mais frequência, recebendo em troca, doses cada vez menores da ansiada substância.
As fontes naturais de dopamina, como as relações sociais e a relação com a própria vida, se tornam estímulos ínfimos para os neuroreceptores anestesiados. Eis a dependência instaurada, cuja base é análoga à de drogas sintéticas.
Libertar-se do apelo do explícito, quando esse é um teatro performático estéril e agressivo, não é algo isolado.
Se trata da energia sexual, essa força primitiva que faz a natureza se atrair por si própria.
O modo como nos relacionamos com ela espelha o modo como nos relacionamos com a vida.
A banalidade a está sufocando, e se refletindo diretamente na guinada política mundial.
A meu ver, a mudança se dará pela sensibilidade, pelo seu cultivo interior e pela sensibilização de outros seres.
Meu email é emilianokelm@gmail.com, e será um prazer tornar essas reflexões uma conversa!
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