Ano 09 nº 067/2021 – Circus Horribilis Brasilis: Parte 2 – A resistência dos povos indígenas
Por Cesar Jacinto
Manifestantes dos povos indígenas Awa, Kaapor, Guajajara, Tremembé e Gamela em Santa Inés, Maranhão. © Mídia Índia/Survival International. Disponível em https://www.survivalbrasil.org/ultimas-noticias/12078. Acesso: 18/05/2021.
A diversidade brasileira é assinalada, num primeiro momento, pelos muitos povos indígenas que já habitavam o território nacional: uma pluralidade cultural, das quais herdamos costumes, modos de ser e viver. Nossos irmãos nativos viviam, então, em suas respectivas terras, sem cobiçar outros espaços, pois a terra, para eles, jamais deveria ser explorada, mas, sim, cuidada, protegida, respeitada, extraindo-se dela apenas o necessário para a sobrevivência de todas as formas de vida. Essa seria a história a ser contada hoje, caso não houvesse ocorrido a chegada dos invasores europeus que iniciaram um período de trevas, que perdura até a atualidade.
Chamados de selvagens e animistas pelo opressor branco, os nossos povos originários sofreram violações múltiplas pela mão dos invasores. A ganância dos representantes caucasianos da Coroa Portuguesa, em busca de riquezas para seu rei, tomaram de assalto a até então harmoniosa Pindorama. O que a historiografia oficial ainda hoje denomina de descobrimento, nos livros didáticos e em materiais paradidáticos, sempre foi uma invasão intencional, com a expressa finalidade de expropriação das riquezas que, inicialmente, foram usurpadas de nossas terras e, em um segundo momento, foram aqui produzidas sob a exploração dos povos indígenas e, em seguida, da mão-de-obra de africanos escravizados.
O colonizador utilizou-se de certas estratégias na abordagem aos povos indígenas: o contato generoso e amigável, estabelecendo a doação de presentes e também a troca, conhecida como escambo; também houve a participação da Igreja Católica que, em relação ao tráfico de negros do continente africano, afirmava que estes não possuíam alma, eram fetichistas e, portanto, deveriam ser escravizados, convergindo para o pensamento colonizador. Nesse aspecto, em relação aos indígenas brasileiros, houve uma aproximação gentil, propiciada principalmente pelos seus sacerdotes que tinham a incumbência de catequizar os índios e torná-los dóceis. No entanto, quando este artifício começou a mostrar suas falhas, chegou a hora da força agir, situação que acabou por dizimar os povos originários no território brasileiro.
Desde o período de 1500 até a década de 1970, houve um decréscimo da população indígena: seja por falta de políticas públicas que amparem esses povos; seja pelo contato com o homem branco, que levou enfermidades desconhecidas a essa população. A partir do século XX, a invasão dos territórios indígenas por exploradores de minérios e madeira ocasionou o que se pode chamar de uma segunda onda de extermínio dos povos nativos. Além disso, outros fatores como o êxodo, que levou populações indígenas inteiras para a cidade, ou, ainda, o projeto de extinção dos povos, que ainda vivem em isolamento nos mais esquecidos territórios, têm contribuído para o fim da população nativa no Brasil.
No Rio Grande do Sul, por exemplo, Kaingangs, Charruas e Guaranis resistiram. O líder guarani Nander gritou aos invasores: “Esta Terra tem dono”. Os guaranis eram o povo que abrangia o território mais extenso, ocupando o Sul do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. O preconceito, que começou no passado e determinou a redução considerável dos povos indígenas através do seu extermínio, ainda permanece, traduzido em repulsa e, em muitos casos, em ojeriza aos primeiros habitantes desta Terra Brasilis.
O caso mais conhecido e que teve intensa repercussão na mídia foi o do indígena Galdino, ocorrido em 20 de abril de 1997. Galdino descansava em um banco de praça em Brasília, após perder o horário do transporte que o levaria para o hotel onde estava hospedado. Jovens brancos da classe média atearam fogo no corpo do indígena, numa horrenda e total demonstração de falta de alteridade, o que nos leva a refletir sobre o fato de nossa sociedade eurocêntrica ainda conservar a violência exacerbada contra grupos que não se enquadram em seu padrão social.
As múltiplas formas de violência continuam a ocorrer em todo território nacional, sendo, inclusive, aplaudidas por quem deveria protegê-lo. A Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que nunca foi comandada por indígenas, neste momento, tem uma gestão negacionista e que não se posiciona contra as atrocidades cometidas pelos invasores contemporâneos dos territórios dos povos ancestrais. A luta incessante continua, diante do retrocesso, pela preservação do maior patrimônio brasileiro, que são os povos indígenas, os verdadeiros donos desta terra.
Até o mês que vem, com a próxima sessão deste Circus Horribilis Brasilis!
César Jacinto é professor, graduado em Pedagogia pela UERGS, com especialização em Diversidade Cultural e Mestrado em Ensino pela Unipampa – Campus/Bagé-RS. Escritor, cronista e pesquisador da História e Cultura Afro-brasileira e militante do Movimento Negro.