Ano 13 Nº 29/2025 Vim pela aventura e fiquei pela cultura
Por: Paula Diele Pereira Fonseca
Vou contar um pouco da minha trajetória e como viemos parar no coração da Ásia. Samuel, meu filho, na época com três anos achou que seria férias, mas era uma missão…
Nunca foi minha vontade sair de Bagé, cidade onde nasci, cresci, estudei, fiz amigos da vida toda. Gosto do silêncio, da paz e da vida no campo. A vida me carregou para outros caminhos, às vezes sentia como se não houvesse mais espaço onde eu estava. Então fui morar perto, em Pelotas, onde conheci meu esposo e fui morar um pouco mais longe, Caxias do Sul. Apesar de ser um pouco mais longe, todo mundo fala português, o supermercado é igual e os cheiros também, ou seja, cheiro de churrasco perto do meio dia, cheirinho de pão perto da padaria. Além de muita natureza e tranquilidade, nada de correria. E então viemos parar nesta selva de edifícios grandes e muita tecnologia, isso era o que eu imaginava.
Convido aos leitores a viajar comigo por as mais variadas experiências e diferenças culturais que vivemos aqui, de todos os perrengues de não falar a língua local sendo assim uma pessoa impossibilitada de falar e ler de quando se trata de estar em um lugar onde não entendo o idioma.
Agora vamos ao que nos trouxe até a China. No ano de 2020, meu marido foi chamado para trabalhar neste país, quando fui comunicada fiquei um pouco nervosa, pois eu não falava chinês e nem sequer inglês. Sempre fui uma mulher que gostava muito de trabalhar, ser veterinária é a minha vida, amo minha profissão e trabalhar com animais é terapêutico. Mas depois de algumas conversas com meu esposo, ele me fez entender o quanto poderia ser incrível viver essa experiência. Ainda mais para nosso filho que poderia aprender sobre outras culturas e idiomas. Neste momento colocamos como meta, nos dois anos de China, vamos viajar pela Ásia, já que estando aqui e é muito barato, vamos conhecer alguns lugares, como: indonésia, Cambodia, Vietnã, Tailândia. Organizei meus pensamentos e pensei: vou tirar dois anos de férias. Então veio a Pandemia e a possibilidade de irmos ficou distante, acreditávamos que não iríamos mais vir, meu coração ficou mais tranquilo. Porém em dezembro de 2022, meu marido falou: “em fevereiro vamos para China”. Organizamos tudo, eu vendi minha clínica veterinária, afinal eu estaria de férias.
Um evento importante foi que, antes de irmos para china, ficamos um mês na Austrália. Para minha felicidade, na Austrália ficamos em uma casa onde por coincidência do destino tínhamos vizinhos Brasileiros, o que foi de grande ajuda para mim e para Samuel, pois meu marido saía sete da manhã e voltava seis da tarde, mas mesmo assim pudemos conhecer um pouco da Austrália. Tudo que se fala de lá é verdade, paisagens de tirar o fôlego, mar muito gelado e muito tubarão, comida com pouco tempero e não é possível sentir a diferença de cheiros que é possível sentir na Ásia em geral.
Depois deste primeiro mês, aterrisamos na china, perdi a conta de quantos testes de covid a gente fez. Samuel, na época com três anos, nem reclamava mais, se entregasse um swab na mão dele, ele mesmo realizaria o teste. Chegamos na China, na sexta à noite em Shangai, e de lá já viemos direto para nossa
cidade Changzhou, que fica há quatro horas de carro.Na nossa cidade ficamos em um hotel, pois teríamos que procurar casa somente na segunda. Confesso que no avião já tive um choque com a comida, pois era muito temperada e com muita pimenta. Muito diferente do que a gente é acostumado a comer, mas estava aberta a experimentar.
No sábado de manhã, eu tomaria aquele café da manhã de hotel, “ como você imagina um café da manhã de hotel?” Pensei: vou comer pão, queijo, presunto, bolo, leite com chocolate, iogurte e suco de laranja, pão de queijo eu sabia que não teria. Queridos amigos, acreditem nesta hora Samuel já sentia fome, pois não havia comido quase nada. Pela manhã ao entrar na sala do café, tinha um cheiro muito forte de tempero e não havia nada do que havia imaginado, pois o café da manhã chinês é muito
completo, com muitos legumes, noodles (tipo de macarrão), Youtiao (uma espécie de salgado frito). Enfim conseguimos tomar um café preto e comer ovo cozido. Experimentamos muitas coisas e nada agradava nosso paladar, ali eu pensei que estávamos perdidos, são dois anos e a comida é assim. Quase chorei, mas ainda estava firme.
Foi então que decidimos ir ao shopping que ficava próximo ao nosso hotel, pois tínhamos de comprar toalha de banho, roupas de cama, acessórios de cozinha, etc… E depois de uma longa caminhada, Samuel estava com muita fome, meu marido olhou um restaurante com um cowboy na porta e falou “vamos ali, pois ali não tem erro, vamos comer bem”. Estávamos com muita sede, sentamos no restaurante e fomos
servidos de uma água, o copo estava marcado, parecia bem gelado, mas era água quente. Na Asia é comum o consumo de água quente, tanto no inverno como no verão, para quem não está acostumado e com sede isso é bem ruim; Então falei: ”Quero uma bebida gelada”, pegamos os cardápios e mostramos a bebida cheia de gelo, mas não deu certo. Recebemos outra bebida quente. Além disso, a comida estava sem sabor, mas comemos para ficar sem fome, porém Samuel não estava muito contente, queria arroz e feijão.
É importante mencionar que antes de vir para China, é preciso baixar os app utilizados
aqui. Hoje sempre que vem alguém conhecido, avisamos, porém nós não fomos avisados. Nos primeiros três dias na China, não tínhamos internet, somente dinheiro em espécie, o que era muito estranho para os chineses, já que aqui tudo é pago com QR code. Nós por não termos internet também não tínhamos tradutor, portanto a comunicação era realmente zero, somente por mímicas e apontando para o que queríamos.
Após este almoço nada amigável, continuamos nosso passeio e então à noite, já estávamos com muita fome. Meu marido novamente falou “vamos no pizza hut, lá não tem erro”. Chegamos e na tentativa de realizar nosso pedido, copiamos o pedido da mesa ao lado. Eles haviam pedido uma pizza, olhamos aquela pizza com um queijo muito brilhante e apontamos que era aquela. Estávamos empolgados pois iríamos comer e encher a barriga.
Quando a pizza chegou a mesa, havia um cheiro muito ruim. Então ao provar a pizza era algo impossível de comer, na hora não sabíamos do que se tratava, mas certamente queijo não era. Neste momento, Samuel pôs-se a chorar compulsivamente, pois estava com muita fome, o acalmamos.
Novamente pegamos o cardápio e realizamos um novo pedido, pela imagem parecia pepperoni, e era. O sabor é diferente das pizzas do Brasil, mas conseguimos comer e encher a barriga. A pizza que não conseguimos comer era de Durian, uma fruta que os chineses comem o ano todo, tem um cheiro forte e a sua imagem lembra jaca. No domingo, nosso café da manhã de hotel não tinha nada diferente do primeiro, após o café fomos dar uma caminhada e conhecer a cidade.
Depois de uma longa caminhada, Samuel falou que estava com fome. Fabio, meu esposo, mais uma vez com a sua frase padrão: “Vamos no KFC, lá não vai ter erro”, mas novamente teve, pois aqui na Ásia, em geral, as comidas tendem a ser muito apimentadas. Pedimos um frango frito e um hambúrguer, antes do nosso almoço chegar. Samuel pediu para ir ao banheiro, ao chegar no banheiro com ele não havia vaso
sanitário, somente um vaso turco “tipo patente” direto no chão. Tentei segurar o menino para que ele fizesse cocô, mas meu agachamento não estava em dia, então chamei o Fabio e ficamos os dois dentro do banheiro revezando quem segurava a criança.
Voltamos para mesa e nosso almoço chegou, estava tudo com muita pimenta. Neste dia Samuel comeu somente batatas fritas. Agora pensem comigo, eu fui mãe aos 37 anos, decidi ter um único filho, eu sou realmente aquela mãe de primeira viagem que faz tudo que o pediatra manda. Neste momento eu via Samuel comendo tantas coisas que eu sabia que não eram saudáveis, para uma criança de três anos, mas era o que tínhamos. Eu estava realmente desesperada, e ainda assim não queria mostrar para meu esposo que a situação estava muito complicada.
Na segunda de manhã, mesmo sem falar inglês e nem chinês, eu e Samuel fomos com uma corretora chinesa procurar apartamento, e escola para Samuel. Os imóveis me surpreenderam muito, pois eu imaginava que era tudo pequeno e apertado, porém todos que olhei estavam entre 90 e 120 metros quadrados, alguns com vaso sanitário igual aos do Brasil e outros com vaso turco.
Mais um elemento que me pegou de surpresa foram as escolas, as estruturas impressionantes, com ambientes limpos, bem organizados e planejados para o bem estar e aprendizado dos alunos. Além disso a valorização da educação é evidente em que os professores tem um papel de destaque na sociedade. É realmente incrível ver como o ensino desde séries iniciais é levado a sério, com muita disciplina e oportunidades, demonstrando um comprometimento com o futuro das crianças.
Cada dia aqui na China é uma descoberta nova, desde a culinária cheia de contrastes e também como ocorre o valor pelo coletivo, por exemplo: a sociedade é responsabilidade de todos, isso faz com que eu repense minha maneira de ver o mundo. Entendendo muitas vezes que o que é “certo” e cultural, pois para os chineses nada deve ficar guardado, portanto, é normal vermos eles arrotando alto, comem com a boca aberta, pois quanto mais barulho para comer, mais gostosa é a comida.
Mas cada semana aqui me transforma um pouco. No próximo mês trarei muitas novidades que aconteceram comigo e minha família, contarei sobre a comunidade de brasileiros e a convivência com pessoas das mais diversas culturas e lugares do mundo.

Paula Diele Pereira Fonseca é médica veterinária, mãe e educadora. Formada pela Universidade da Região da Campanha (URCAMP/Bagé). Mestre em Sanidade animal pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), possuo 13 anos de experiência com clinica e cirurgia de pequenos animais. E-mail pauladpflages@gmail.com.