Ano 13 Nº 24/2025 – Diálogo #1: Presente
De DUO – Ana Paula Caneda Jardim e Wagner Ferreira Previtali

Ana Paula: Certa vez eu li que a arte é um território de embaralhamento de tempos e prestação de contas da história com o presente.
Wagner: Como foi que tu começou a se envolver com arte em Bagé?
Ana Paula: Comecei em casa. Ficava olhando os quadros que tínhamos, a minha mãe gostava bastante e me contava histórias do meu bisavô que colecionava gravuras, objetos antigos. O incentivo por um olhar mais sensível, estético foi influência materna. Depois na adolescência frequentava casas de amigos, lugares da cidade que tinha obras do grupo de Bagé e a primeira artista da cidade que conheci foi a Norma Vasconcellos.
Depois comecei a trabalhar em um consultório médico e recebia dos laboratórios muitos fascículos sobre história da arte e ficava estudando. Fazia muita colagem, era bem criativa! Aos 15 anos ainda não tinha acesso a internet. Em seguida entrei na faculdade de artes e fui desenvolvendo um trabalho em outras linguagens como o desenho, a fotografia e nunca mais parei.
Wagner: E como foi conhecer a Norma? Uma artista em Bagé.
Ana Paula: Eu era amiga do filho dela, o Bruno. Nossa turma de amigos se reunia lá porque ele tinha computador. Mas eu ia pra ver os quadros. A Norma sempre tinha um cesto de maçãs na sala, eu achava incrível e convidativo. Ela me recebia muito bem. Depois por anos acompanhei o trabalho dela. Sempre muito receptiva.
Wagner: Eu lembrei agora que por acaso eu conheci o Edmundo Rodrigues, enquanto era estudante do fundamental, e tive que fazer uma pesquisa sobre artistas em Bagé, lembro que a gente visitou a casa dele, e ele tava pintando um grande mural de um barco com rodas que atravessava a pampa. Essa imagem épica ficou na minha cabeça. Apesar disso, só fui me envolver com arte mesmo quando eu entrei na universidade pública.
Ana Paula: No consultório que eu trabalhava tinha uma obra dele. Conversamos algumas vezes. Eu também conversava com o Ramon, filho do Pedro Wayne. Então, eu ouvia muitas histórias. Depois na faculdade tive ótimas professoras. Fui bastante estimulada. Na Urcamp a formação era bem voltada para a docência.
E teu percurso como artista? Como é estudar cinema e voltar pra tua cidade? Como vê esse cenário? Fico pensando nas diferenças entre os contextos e época que habitamos a cidade. Saí de Bagé e voltei mais “contemporânea”, com influências externas, outra bagagem, mais conceitual. Gosto do nosso trabalho juntos, esse encontro de linguagens e contextos.
Wagner: No meu caso, eu só fui pensar em arte e ser artista muito depois, já depois de ter caminhado e poder olhar pra trás. Nisso a universidade me ajudou mesmo, me impulsionou. Me desviando um pouco do assunto, fico pensando nos acessos que tínhamos e temos a tudo isso que é arte. Quando eu era adolescente a arte chegava pra mim através da internet, de blogs alternativos, da música e do audiovisual.
Em Bagé não lembro de ter visto exposições de arte quando era pequeno, até hoje viajar pra uma cidade é poder ver museus. E tu lembra de ver exposições aqui? Também no cinema, lembro que já existia o festival de cinema da fronteira, na época recém iniciando, mas só fui conhecer mesmo, fazer parte, quando universitário, que foi quando acompanhei e vi filmes que mudaram minha visão de mundo.
Ana Paula: Eu só lembro de ter ido no museu Dom Diogo com a escola. Minha lembrança mais presente é de ver obras nas casas das pessoas. Acho que Bagé tinha esse colecionismo muito forte e evidente. Eu planejava muito sair da cidade, viajar pra conhecer museus. Também aprendi muito com outras universidades, artistas. Foi uma formação bem autônoma e autodidata.
Wagner: E daí nesse voltar após um percurso formativo, ganhar novas visões de mundo, foi permitindo conhecer novos modos de me relacionar com a arte, com Bagé, e com a arte em bagé e mais do que a arte, mas com as e os artistas
Ana Paula: Tem muita gente produzindo. Artistas consagrados e também uma nova geração que está se dedicando. Apesar de estarmos sem uma graduação acadêmica há anos, tem muitos ateliers e coletivos atuando. Hoje os anseios dos artistas são outros. Há um pensamento coletivo, uma arte mais engajada e até mesmo ativista. O que tu acha que um artista de Bagé precisa nesse momento?
Wagner: Ah recursos né haha. Recursos, espaços formativos, acessos. Algumas linguagens artísticas dependem de espaços expositores, mas em geral as pessoas se viram. Acredito que toda linguagem artística já possui seu território de criação em Bagé, falta quem desconhece encontrar, e essas artes encontrarem seu público
Ana Paula: Os aparelhos culturais precisam de recursos para absorver toda essa produção, essa criatividade que pulsa. Bagé tem essa vibração artística. É lindo! E acredito na formação de público, na educação como ponte para criar acessos, apreciadores e fomentar o potencial cultural que temos.
Wagner: Fico pensando, como era a formação e o acesso às artes antes de nós, no nosso tempo, e como tornar melhor, pro futuro. quando te conheci vi mais ainda dessa transformação que é a arte-educação. O que tu acha?
Ana Paula: Minha história com a educação não foi amor à primeira vista; foi um casamento arranjado. Fui me apaixonando aos poucos. Eu queria trabalhar em museus, espaços culturais, queria fazer arte. Aí entrou a escola na minha vida e anos depois percebo que é o fundamental no sistema artístico. Essa é a prestação de contas da história com o presente, que te falei no início desta conversa.
Precisamos de arte na escola, mais espaços educativos. É aí que se dá o acesso. Arte-educação para reparar estas arestas. Não necessariamente desenhar melhor ou decorar nomes de artistas. Mas desenvolver um pensamento artístico. Se reconhecer e valorizar sua cultura é requisito básico para uma sociedade ser construída de maneira justa e equitativa. Arte foi essa porta aberta na minha vida.
Wagner: As artes foram essa possibilidade de olhar o mundo e muitos mundos. Como cada um com diferentes saberes, vivências e técnicas vai construindo seu mundo, a arte vai sendo isso.
Ana Paula: Tento levar isso pros meus alunos. Acho que esse é o presente.

Ana Paula Caneda, 43 anos, é artista visual, professora de arte e curadora.
Wagner Previtali, 28 anos, é artista visual, cineasta e produtor cultural.
Formam um DUO que desenvolve experiências artísticas contemporâneas na cidade de Bagé.