Ano 13 Nº 09/2025 – O sol é mais que uma bola de fogo no céu
Por: Aline Reinhardt
BR-116, sentido Porto Alegre – Pelotas, 20 de setembro de 2024.
Prólogo: No mês que marca 1 ano das terríveis enchentes que assolaram o Rio Grande do Sul, retomo escritos feitos à luz (e à sombra) dessa e de outra tragédia climática, os incêndios na Amazônia brasileira. Desastres que, infelizmente, tornaram-se frequentes em nossas vidas.
O sol é mais que uma bola de fogo no céu.
Essa ideia me veio enquanto olhava para um sol do fim do mundo, enquanto saía de Porto Alegre em direção ao interior. Acabo de ver as marcas da enchente de maio de 24 ainda visíveis nas paredes da rodoviária, os efeitos da inundação presentes nas vias interditadas pelas quais desviamos, no trânsito modificado, nos barracos de lona improvisados para crianças, adultos, idosos e animais, que se mantêm à margem da BR. São as marcas de um ontem tão recente, de chuva, muita chuva, muita água, muita morte e muita destruição, que não é passado ou história da província de São Pedro. É parte do presente.
É semana Farroupilha, e, no mesmo horizonte, um sol absurdamente lindo e mais absurdamente triste se põe vermelho-rosa de um jeito muito raro — e deslumbrante — de se ver. A luxúria visual da perdição anunciada. O sol que se põe aparece assim, abaixo de espessas nuvens que o encobriram de nossa visão ao longo de todo o dia, espessas nuvens cinza-escuro que oprimem e desfazem a impressão da existência de um infinito acima de nós. Nuvens carregadas de cinzas que impõem um teto aos nossos sonhos, à nossa esperança de futuro. O sol e o céu carmim a nos lembrarem que o amanhã, talvez, nem sempre venha. Que o amanhã, talvez, nem sempre tenha condições de acontecer.
É difícil colocar essas constatações em palavras. Reforçam o medo do porvir que carrego no peito desde que consigo lembrar de mim. Porém, é impossível permanecer alheia às nuvens que não trazem chuva, também ela tão temida ultimamente; são nuvens que trazem os resquícios da destruição de florestas e matas, um dia tão densas que pareciam impenetráveis, e que exigiram séculos de ousadia aos homens brancos e coragem para nelas entrar. São nuvens cinza de cinzas, aglomerados voadores de partículas pequenas pulverizadas o suficiente para viajar com o vento por quilômetros e quilômetros e encontrar nossas águas e nossos pulmões, nos adentrando e nos lembrando de que sem o ar para respirar não vivemos.
Brasil. Destruição e morte é o que marca há muito tempo esse território tão lindo, mas tão lindo, que chega trágico ser.
Como crianças mimadas, recebemos nas mãos com facilidade tudo da terra que pouco nos pede e muito nos oferece. Contentes em extrairmos seus frutos e escavarmos suas entranhas, resolvemos que é chegada a hora de tornar inexistente o espaço verde preservado, que abriga, há séculos, seres como as árvores que viram a luz do sol muito antes de uma margem do Atlântico tomar conhecimento da existência da outra. Efeitos da des-lógica piromaníaca de que, sem ter o que preservar, não há o que impeça o uso do espaço arrasado para a extração de lucro efêmero e “sem fim”.
Vamos, cada qual preocupados demais com nossas agruras não curadas e com nossas sobrevivências diárias constantemente ameaçadas, normalizando a busca por transformar um deserto em outra coordenada do universo em um espaço habitável, para quando nosso paraíso imperfeito (mas ainda sim, paraíso) for tornado, ele mesmo, um deserto.
O sol vermelho que parece fazer farra ao despedir-se no céu, nem que seja em sua hora derradeira, faz lembrar que, por mais belo que seja, não foi só seu encanto estético que motivou tantas e tantas culturas ao longo da história a endeusar e cultuar esse astro que nos avizinha.
O sol é mais que uma bola de fogo no céu. Ele rege nossa possibilidade de ser. Nos aquece, nos alimenta, demarca nossos dias, nos dá energia e nos garante o viver. E mesmo assim, o sol surge róseo no fim do fundo da América do Sul, mimetizando as cores do ardor das chamas que transformam a floresta em fuligem, fumaça e desesperança.

Aline Reinhardt é acadêmica do curso de Letras – Português e petiana do PET Letras –
Bagé. É jornalista e atualmente é doutoranda em Letras na UFPel. É mãe do Murilo, gosta de ler até bula de remédio, e tem esperança de que dias bons e dias ainda melhores seja vividos por todos nós.
“Esta é a coluna do PET-Letras, Programa de Educação Tutorial do curso de Letras – Português e Literaturas de Língua Portuguesa, do campus Bagé. O programa, financiado pelo FNDE/MEC, visa fornecer aos seus bolsistas uma formação ampla que contemple não apenas uma formação acadêmica qualificada como também uma formação cidadã no sentido de formar sujeitos responsáveis por seu papel social na transformação da realidade nacional. Com essa filosofia é que o PET desenvolve projetos e ações nos eixos de pesquisa, ensino e extensão. Nessa coluna, você lerá textos produzidos pelos petianos que registram suas reflexões acerca de temas gerados e debatidos a partir das ações desenvolvidas pelo grupo. Esperamos que apreciem nossa coluna. Boa leitura”.