Ano 13 Nº 05/2025 – Escritas cruzadas¹

Por Flávia Azambuja

Fonte: https://www.roncaronca.com.br/tag/carlos-moore/page/2/ 

Aibileen sai caminhando pela rua, sem rumo. A única coisa que restou foi sua casa, mas uma casa vazia, sem Mae Mobley, sem seu filho, sem alma. Tudo o que conhecia acabou mais uma vez, mas dessa vez, não vai repetir o ciclo, não vai até outra casa pedir emprego, não vai esperar que Elizabeth se arrependa, não vai. Vai ter que aprender a reviver com o pouco que lhe resta…

E se pergunta: “Mas o que me resta?” Só restam lembranças, memórias. E as memórias são traiçoeiras, por mais que ela se agarre a elas vão se desvanecendo. Já não tem mais certeza do que é memória e do que foi inventado pra aplacar tanta tristeza.

No caminho de casa decide guardar as esparsas lembranças que lhe restam, lembra-se de seu filho, sua mãe, Mae Mobley, Minny, Hilly, seu filho, seu filho. É isso, essa é maior dor e maior felicidade que carrega em seu peito. Vai honrar seu filho e escrever. Escrever, sempre foi seu sonho, ele poderia ter sido um grande poeta, Amava Langston Hughes. Vivia recitando “Theme for english B”, especialmente quando ela o mandava estudar. 

Lembrava até hoje de um trecho by heart:

Being me, it will not be white.²

But it will be

a part of you, instructor.

You are white—

yet a part of me, as I am a part of you.

That’s American.

Sometimes perhaps you don’t want to be a part of me.   

Nor do I often want to be a part of you.

But we are, that’s true!

As I learn from you,

I guess you learn from me—

although you’re older—and white—

and somewhat more free.

This is my page for English B.

Como sentia sua falta, como queria ele aqui dizendo que não precisava ir à escola, que já sabia todo o necessário para se tornar um grande poeta como Hughes. Mas o tempo não volta. E agora a única ligação que tinham era o amor pela escrita. Escrever era o que faria, para se ligar ao seu filho, para aplacar a dor e para guardar suas memórias.

Decidiu homenagear o filho, escrevendo um poema, mas não sabia sequer por onde começar. Então passou a ler, leu todos os poetas preferidos do filho, o dia virou noite e a noite virou dia novamente, se envolveu tanto que nem percebeu que não havia dormido, comido e tampouco tomado um banho. Após a merecida refeição e descanso, acordou. E acordou pra nova vida que iniciava, sua vida de poeta. 

Depois de muito trabalho um poema nasceu, e outro e mais outro. Depois de meses debruçada sobre as folhas em branco, sentiu que sua obra estava pronta. Procurou Skeeter e falou que dessa vez queria um livro com seu nome na capa. Skeeter leu o primeiro poema:

Escritas cruzadas

a escrita me salvou

a escrita me conectou

ao que tinha de mais sagrado

o que me foi roubado

maculado

a escrita me libertou

a escrita me assegurou

que o prato na mesa

fosse farto

que o que um dia me faltou

jamais a mim novamente fosse 

negado

a escrita me amou

quando não havia mais ninguém

que pudesse ser amado

a escrita me trouxe

finalmente, a paz

pra ter o descanso

tão aguardado.

Skeeter estava visivelmente emocionada, mas sem saber o que dizer. Aquela ideia parecia maluca demais até para ela. Mas o primeiro livro também parecia uma maluquice. Confusa, indecisa, com medo, simplesmente disse: estou te esperando em Nova York, poeta…

 ¹Fanfic baseada no filme “Histórias cruzadas”

²Tradução do trecho do poema: 

Sou o que sou, e isso não será ser branco.

Mas uma parte de si,

professor.

O senhor é branco-

ainda que uma parte de mim, como eu sou parte de si.

Isto é ser Americano. Aqui está um Americano.

De vez em quando talvez o senhor não queira ser parte de mim.

Nem eu muitas vezes quero ser parte de si.

Mas somos, essa é que a verdade!

Como eu aprendo de si,

pressumo que o senhor aprende de mim-

embora o senhor seja mais velho – e branco-

e um pouco mais livre.

Esta é a composição que escrevi.

Flávia é mestra em Ensino de Línguas, inquieta, otimista assumida, co-coordenadora do Lab. Interessada em aprender com tudo e todos.

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