Ano 12 Nº 089/2024 – Aos 20 e poucos: quando a grama do vizinho parece sempre mais verde
Por Eduarda Machado Severo
Fonte: joeyguidone
Escrevo este texto para os jovens adultos, na casa dos 20 e poucos anos, que, assim como eu, se esforçam para manter sua sanidade mental intacta em meio às pressões da vida moderna. Escrevo também para aqueles que já passaram dos trinta anos e, talvez, compartilhem das mesmas vivências. Já adianto que minha intenção não é trazer um manual de instruções sobre como lidar com as questões que aqui serão apresentadas, mas sim propor uma reflexão sobre o tema e quem sabe fazer com que percebam que não estão sozinhos.
Quando chegamos a essa fase dos 20 e poucos anos, parece que a grama do vizinho é sempre mais verde do que a nossa. São tantas comparações, tantas cobranças… Colecionamos medos e dúvidas, fantasmas imaginários que nos perseguem diariamente, sem termos para onde fugir.
Vivemos em uma sociedade marcada pelo ritmo frenético de produtividade e consumo, que exerce uma pressão constante sobre nós. As expectativas são imensas: concluir os estudos o mais rápido possível, alcançar uma carreira de sucesso, ter estabilidade financeira, manter uma vida social ativa e, de preferência,
tudo isso enquanto se conquista felicidade e bem-estar pessoal, não esquecendo de manter o skincare diário, é claro. A cobrança vem de todos os lados: da família, dos amigos, das redes sociais e, principalmente, de nós mesmos. Há uma ideia implícita de que precisamos “ter sucesso” antes dos 30 anos, como se a vida seguisse uma linha reta e qualquer desvio fosse sinônimo de fracasso.
Nas redes sociais, somos bombardeados por imagens de vidas aparentemente perfeitas, o que intensifica ainda mais essa sensação de inadequação e nos faz sentir atrasados em relação às demais pessoas da nossa idade, mesmo que cada caminho seja único e que o sucesso tenha diferentes significados para cada um. A grama do vizinho pode estar amarelada, mas o filtro a torna sempre mais verde do que a nossa.
É difícil não se comparar, e mais difícil ainda é não se cobrar quando essa comparação é estimulada por uma sociedade que prega a cultura do “estude enquanto eles se divertem”, “trabalhe enquanto eles dormem”, desconsiderando por completo que cada pessoa possui uma realidade social e econômica diferente. Encontramos frases como essas na internet, por exemplo, as quais muitas vezes são reforçadas por influenciadores e empreendedores, que vendem uma ideia de produtividade tóxica e, até mesmo, irrealizável para nós. E, assim, perdemos nossa humanidade, tentando ser melhores em tudo, nos mantendo “funcionais” a todo tempo. Nessa tentativa, negamos nossas necessidades básicas, como uma boa noite de sono, tirar um tempo para estar com a família ou simplesmente ter a liberdade de ficar sem fazer nada sem sentir culpa por se permitir descansar.
Isso sem mencionar as cobranças feitas especificamente às mulheres. Embora tenhamos avançado em relação a esse aspecto, ainda somos cobradas pela sociedade no que diz respeito a relacionamentos, maternidade e padrões de beleza inalcançáveis. Mesmo no início da vida adulta, essas questões já começam a nos assombrar.
O mais irônico é que, nessa fase da vida, muitas vezes, nem sabemos com clareza o que queremos para o futuro, estamos em constante mudança, em busca de nossa própria identidade. No entanto, até mesmo o direito de ter dúvidas, de errar e aprender com os erros, parece que nos é negado. O ciclo do erro e do aprendizado, que deveria ser natural, torna-se motivo de julgamento e cobrança. O resultado disso são pessoas com quadros de depressão e ansiedade, autoestima baixa e dificuldade em lidar com falhas.
Pergunto a você: como lidamos com essa situação? Tenho certeza de que, assim como eu, você não tem uma solução mágica – até porque ela não existe. Mas certamente já ouviu a seguinte frase clichê: “não se cobre tanto”. Por mais repetida que seja, ela tem sua verdade inegável. Não somos máquinas, não temos todas as respostas e, muito menos, somos obrigados a corresponder às expectativas impostas pelos outros. Nossa essência é humana, cheia de incertezas, falhas e, acima de tudo, aprendizados constantes.
Que possamos compreender que essas cobranças são frutos de uma sociedade que nos moldou para fazermos tudo cedo demais, vendendo a falsa ideia de que para alcançarmos o sucesso, basta nos esforçarmos, como se “só dependesse de nós”. Isso não quer dizer que devemos ficar acomodados, esperando que as coisas que desejamos caiam do céu, pelo contrário, devemos tentar, mas nos permitindo cometer erros. Recomeçar e tentar de novo, sem a pressão de acertar de primeira e, sobretudo, com a consciência de que nossa “grama” não cresce nas mesmas condições que a do vizinho.
Lembre-se: você só tem 20 e poucos anos. Erre. Pare. Recomece. Mude. Viva.
Bibliografia consultada
HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Rio de Janeiro: Vozes, 2015.
FERNANDES, Eduardo. Chegada à vida adulta gera ansiedade e autocobrança em jovens brasilienses. 2021. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/cidades-df/2021/10/4956255-chegada-a-vida-a dulta-gera-ansiedade-e-autocobranca-em-jovens-brasilienses.html. Acesso em: 18 out. 2024.
ABJNOTICIAS. Crise dos 20 anos: a corrida antes dos 30. 2020. Disponível em: https://www.abjnoticias.com.br/crise-dos-20-anos-a-corrida-antes-dos-30/. Acesso em: 18 out. 2024.
Eduarda Machado Severo é estudante do sexto semestre do curso de Letras – Português, na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), Campus Bagé. Atualmente, é bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET) Letras.