Ano 12 Nº 084/2024 – Pessoas brancas podem (e devem) se engajar na luta antirracista
Josiane Navarrina Milano Muller
Fonte: Vecteezy (2024)
Eu nasci em uma família tipicamente brasileira, uma mistura de descendentes de italianos, uruguaios, portugueses, africanos e espanhóis, e cresci na periferia de Bagé, no Rio Grande do Sul. Desde a minha infância sentia desconforto ao observar falas e atitudes de desrespeito com as pessoas negras e recordo de alguns episódios que eram cotidianos, onde a inferioridade era motivo de graça. Hoje, consigo compreender que tudo isso estava ligado ao racismo estrutural e que o sentimento que me tomava à época, e continua vivo em mim, pode contribuir na busca de uma sociedade mais igualitária.
Em busca de compreender mais sobre o racismo e a educação antirracista, trago algumas inquietações e reflexões que fiz durante a pesquisa realizada no Mestrado Acadêmico em Ensino.
Mas, afinal o que é racismo? Ribeiro (2019), na introdução do livro Pequeno Manual Antirracista, diz que racismo é “um sistema de opressão que nega direitos”, ou seja, mesmo que exista uma legislação que normatize os direitos de maneira igualitária para todas as pessoas, isso ainda não é o suficiente para extingui-lo.
Em um breve contexto histórico, podemos recordar que os negros foram trazidos para o Brasil contra sua vontade e escravizados, perdendo sua identidade, o direito ao seu culto, às raízes geracionais, ao serem afastados de seus familiares. Eles tiveram seus direitos subtraídos por mais de 130 anos e, como herança, receberam a negação, a ridicularização e a exigência de estar em conformidade de viver em uma sociedade onde imperava a supremacia branca. Por conta disso, o racismo se tornou parte da sociedade até os dias atuais, sendo o pensamento enraizado na maioria dos brasileiros.
De acordo com Almeida (2019, p. 23), antes de compreender o conceito de racismo é necessário falar sobre raça. O autor descreve raça como um substantivo que traz o sentido não apenas relativo à biologia, mas ao conjunto de características históricas, para além da fenotipia, relacionando às condições
de superação e vivências de povos como os africanos ou indígenas.
Ao narrar a trajetória de escravizados africanos, pode-se compreender a bagagem carregada pelos seus descendentes, que mesmo após mais de um século de “libertação” ainda sofrem com os estigmas do abandono social.
Dessa forma, o racismo é entendido como o conjunto de ideais que foram forjados em uma sociedade que foi moldada pela eugenia, o “sangue azul” e a supremacia de uma figura colonial. Dessa forma, Almeida (2019, p. 25), pontua que “o racismo difere do preconceito racial e da discriminação racial”. O preconceito racial se refere aos estereótipos de pessoas de um grupo, enquanto a discriminação é o resultado das práticas discriminatórias. Pode-se entender como discriminação a forma de tratar diferenciada uma pessoa ou grupo de pessoas pelas suas características raciais.
Nesse sentido, o racismo é concebido como um fenômeno ético ou patológico de caráter individual ou coletivo, portanto, é uma forma de discriminação e pode ser classificado, como individualista, institucional ou estrutural, conforme Almeida (2019 p. 27).
Para tanto, podemos dizer que o racismo é individualista quando está relacionado a aspectos comportamentais, ligados à ética ou caráter. O racismo institucional se manifesta dentro das instituições que normalizam tais questões, tratando-as como naturais, dentro do padrão. Já o racismo estrutural é
conhecido por fazer parte da estrutura que rege a vida social de um lugar. No caso do Brasil, o racismo está enraizado no comportamento da sociedade, por isso é essencial que haja uma mobilização mais eficaz por parte da população, dos representantes de estado e da imprensa, em prol da luta antirracista.
Ribeiro (2019, p. 9) aborda que a luta antirracista “é também das pessoas brancas”, pois o racismo é uma forma de opressão. O que não se deve é normalizar comportamentos vexatórios, discriminatórios e segregadores; é necessário que cada um, independente da cor, faça a sua parte. É preciso falar sobre negritude e branquitude. A branquitude também é um traço de identidade, contudo, os brancos pertencem ao grupo que possuem privilégios. Tais privilégios são marcados pela violência e opressão,
historicamente registrados, contra os negros.
Nesse sentido, o meu propósito é somar esforços junto a pessoas que lutam contra o racismo e que acreditam que não é necessário ter a pele negra para ser antirracista, em consonância com Diangelo (2018). Mas, sim, compreender que todas as pessoas precisam ter direitos iguais e condições não de igualdade, mas de equidade para que haja reparação de uma dívida que nossos antepassados contraíram e que essa conta nunca foi paga.
Referências
ALMEIDA, Sílvio Luiz de. Racismo Estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019.
DIANGELO, Robin J. Não basta não ser racista: sejamos antirracistas. Tradução de Marcos Marcionilo. São Paulo, Faro Editorial, 2018.
RIBEIRO, Djamila. Pequeno Manual Antirracista. São Paulo: Companhia das Letras,
2019.
Josiane Navarrina Milano Muller é professora na Rede Municipal de Ensino de Bagé/RS, pedagoga (URCAMP/2013), especialista em Direito Educacional e Gestão Escolar (FAVENI/ 2019), discente do Programa de Pós-graduação Mestrado Acadêmico em Ensino, pela UNIPAMPA, campus Bagé/RS, graduanda em História UAB (UNIPAMPA/São Borja), membra do PHERA (Grupo de Pesquisa em História da Educação, Repositórios Digitais e Acervos Históricos) e do NEABI Oliveira Silveira.