Ano 12 Nº 073/2024 –  “Interlúdio” de consciência

Por Iasmin Soares Trindade

Existem linhas tênues entre o que é ético ou moral e o que se torna perseguição, mas essas linhas se tornam ainda mais tênues quando se está no ambiente acadêmico. Não, advérbio de negação, que expressa em sua literalidade recusa, assim como a falta de consciência com limites sendo ignorados, e que  ações “inofensivas”  se tornam assediadoras, que provocam desconforto, ansiedades e desestabilizam ambientes de trabalho e relações entre “subordinados”. 

 Durante a formação estudantil, na educação básica, é construída a imagem de que a figura de maior respeito e autoridade plena é o professor, e até mesmo dentro do ambiente familiar passa a ser a personalidade não questionável mesmo para as figuras parentais, porque “se o professor disse, está certo”. Então, se chega ao ambiente universitário com o mesmo pensamento, impossibilitando em muitos momentos questionar as atitudes daqueles educadores, mesmo que isso incomode e cause estranheza, devido à crença de sua autoridade inquestionável e, até mesmo, inalcançável frente a possíveis denúncias.

Perseguições difamatórias em que há distorção de fatos frente ao corpo docente sobre determinado assunto, ações frente a uma classe em que se coloca o aluno como vilão ou ataques pessoais ao indivíduo em um ambiente com mais pessoas, reprovações em massa e, até mesmo,  uso da autoridade para desconcertar e humilhar publicamente os discentes são exemplos de atitudes abusivas que testemunhamos no meio acadêmico. Além dessas situações, não se descartam os assédios físicos,  ataques misóginos e de racismo em grande demanda relatados e ignorados.

Ainda que haja uma caracterização e vontade de expor a situação opressora, são feitos questionamentos: Com que provas? Quem garante que isso seja verdade? Mais alguém passa por isso? O que garante que isso não vá gerar retaliação?. São perguntas que causam ansiedade, principalmente quando o que já está ruim, com certeza pode piorar. Há ainda a lembrança de que muitas das denúncias realizadas não se tem investigação e logo são varridas para debaixo do tapete, e o arquivamento provoca o sentimento comum de que “fazer algo é chegar em ponto nenhum”, porque as coisas sempre foram assim ou que realizar a reclamação vai provocar a retaliação, os assédios se tornarão mais frequentes, a perseguição será maior e qualquer ação contra isso pode provocar piora da situação. 

Não se é ensinado a falar, a reclamar, a denunciar sem o alerta sobre  como isso pode se voltar negativamente a quem é assediado moral, verbal e fisicamente, e que as consequências sejam aplicadas não a quem foi denunciado, mas para àquele que já não suporta mais a conjuntura do assédio e realiza a reclamação. Os acadêmicos não são informados sobre poder denunciar, que existem ouvidorias, núcleos de acolhimento e atendimento ou que se é direito falar.

Aceitar e calar-se são ações comuns entre os alunos, e talvez dentre os próprios educadores, visto as hierarquias “definidas”, mas não deveria ser. Situações  de assédio físico, moral, racismo, machismo afetam a produtividade, o desenvolvimento dos alunos enquanto possíveis pesquisadores e a sua formação como profissionais. A ação de negar o estado de se manter calado deve ser palpável, colocar-se frente a denúncia será necessário, mas requer muito da saúde mental e bem-estar quando inexistem proteção ou seguridades que antecedem o incidente, quem dirá posteriormente. No entanto, é preciso um pontapé inicial para ocorrerem mudanças que ampliem os canais de denúncia e que afirmem que aquele que se defende não está atacando ou em busca de vingança, mas que reivindica por seus direitos para que se sinta minimamente estável no ambiente universitário. 

Deve-se compreender que essas circunstâncias não estão isoladas no ambiente universitário, seja estudantil ou administrativo, como também apresentam-se enraizadas na educação básica, dentre a relação aluno e professor, professor-professor ou professor-direção e nas estruturas definidas entre superioridades com relação aos discentes. São atitudes em que somos ensinados a temer, desde a juventude e que marcam nossa constituição enquanto sujeitos sociais .

 Essas construções sociais não são fatos isolados ou que acontecem uma única vez, é necessário para interromper a repetibilidade sua narrativa, ter esse breve interlúdio, para tomar coragem e consciência para denunciar.

Iasmin Soares Trindade é graduanda do curso de Letras-Português e Literaturas de Língua Portuguesa UNIPAMPA, Campus Bagé;Representante Discente do Curso Letras-Português e Literaturas de Língua Portuguesa UNIPAMPA, Campus Bagé;Representante Discente no Conselho do Campus UNIPAMPA, Campus Bagé; Presidente do Diretório Acadêmico do Curso de Letras-Português, UNIPAMPA, Campus Bagé; Bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET) Letras-Português, UNIPAMPA, Campus Bagé.

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