Ano 12 Nº 046/2024 – Resenha: ONDE A FLORESTA ACABA

Por Mirela Meira

Despedidas nem sempre são alegres, especialmente se envolvem afeto, amizade e injustiça. Despedir-se de um amigo, dependendo da circunstância, pode não ser júbilo. Dar adeus – por modo de morte- a um companheiro de lutas, parceiro de uma vida inteira, assassinado, então, tanto pior. 

Em Onde a Floresta Acaba, o cineasta Otávio Cury  aborda a ausência de um amigo perdido, numa viagem pessoal, intimista, de uma celebração melancólica e por vezes sombria – mas nem por isso menos bela-, suas reflexões evocam imagens, passagens, momentos, alegrias, dores e amores experenciados com o jornalista britânico Dom Phillips, assassinado brutalmente em junho de 2022. Dom  foi assassinado enquanto trabalhava com o indigenista Bruno Pereira no Vale do Javari, uma das mais remotas regiões da Amazônia brasileira, durante uma expedição em uma região palco de conflitos típicos nessa área, como tráfico de drogas, roubo de madeira e avanço do garimpo. Otávio traz de forma indireta uma reflexão sobre o quanto (não) foi feito para deter os ataques históricos contra as comunidades indígenas, os que lutam para preservar esse nosso meio ambiente tão atacado, espacialmente nos anos 2018-2022. Revisita paisagens, momentos, filmes que fizeram juntos. É um adeus pungente, excruciante, despedaçante, lamento de um peito dilacerado pela dor, denúncia surda de uma dor que não passa. Talvez pela brutalidade do assassinato: Pereira e Phillips foram mortos a tiros e tiveram os corpos queimados, esquartejados e enterrados.

 Já na apresentação visual do curta metragem, analisando-se a imagem, sentimos uma ausência, uma sombra projetada contra um céu azul de onde se sobressai uma figura que corre- não se vai ou se volta, mas não importa. O azul, o sfumatto que Leonardo da Vinci descobriu, que tornou La Gioconda tão famosa, completa a atmosfera evanescente da perda, de algo que se distancia. A Liberdade é azul, disse Krzystof Kieslowski. Nesse anos trágicos que antecederam a vitória da esquerda nas urnas para presidente, eu pergunto: Houve liberdade para quem? Liberdade para matar? O quanto da floresta Amazônica foi destruída? Dos índios? Da dignidades dos povos da floresta? Da Diversidade?

Imagens dos dois amigos, no decorrer das cenas, vão tecendo uma narrativa nervosa, com imagens interrompidas, flashes aparentemente desconexos e por ora deslocados, onde se lê alegria, descontração, parceria, humanidades vividas, trivialidades, verdades e essencialidades. Agora, silenciadas para sempre. 

 Esse registro pungente, esse adeus inconcluso, reverbera, eco, ressoa, fica em nossa memória gritando: Até quando?

Texto incluso no dossiê do XV Festival Internacional de Cinema da Fronteira. Confira: Festival Internacional de Cinema da Fronteira, fazer para existir

Mirela Ribeiro Meira é arte-educadora, Doutora em Educação, artista plástica e avó, atualmente empenhada em aprender com os netos a  voltar a ver a vida com olhos de criança, como Picasso. Atua na área de formação de pessoas-professorxs, na perspectiva de uma educação estética e (re)humanização empenhadas em compreender a totalidade de processos da vida, sob uma Ecologia Ampla.

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