Ano 12 Nº 029/2024 – Luta estudantil e trabalhista: duas frentes, as mesmas demandas

Por Eduarda Cunha Gazen Manzke

Chego sempre à hora certa,

contam comigo,

não falho,

pois adoro o meu emprego:

o que detesto é o trabalho.  

— Millôr Fernandes

No começo do primeiro semestre de 2024, nós, do PET Letras-Bagé, decidimos produzir uma série de episódios para a Rádio Uni, nosso podcast disponível no Spotify, sobre relações de trabalho e luta sindical. A ideia surgiu espontaneamente entre conversas nas reuniões do grupo, como costumam nascer todas as nossas ações. E dessa ideia vieram três podcasts: uma entrevista sobre a importância da luta sindical com ex-dirigente sindical do SINPAF, um bate-papo com sindicalistas do Sinprofem e do Sesunipampa e uma entrevista com o Movimento VAT – Vida Além do Trabalho pelo fim da escala de trabalho 6×1. 

Essas discussões parecem ter surgido no momento certo, já nos últimos meses testemunhamos uma greve que paralisou atividades em diversas universidades federais e uma enchente sem precedentes que deixou boa parte do estado sem ter como trabalhar, escancarando problemas latentes do capitalismo. Somando tudo isso com a precarização e uberização do trabalho da qual todos temos sido vítimas nos últimos anos, me parece que nunca foi tão importante repensarmos nossas relações de trabalho. 

Afinal, quando falamos em luta trabalhista hoje, do que estamos falando? Pelo que é que estamos lutando? No começo desse ano, o jornalista Chico Felitti começou, nas redes sociais, uma discussão sobre a Geração Z (jovens nascidos entre 1997 e 2012) no mercado de trabalho. Não faltou quem chamasse os jovens de preguiçosos, sem senso de dever, sem vontade de trabalhar e por aí vai. Também não faltou quem dissesse que certo estavam os jovens de não se deixar explorar. Em outro canto da internet, em maio, a petição criada pelo Movimento VAT pelo fim da escala de trabalho 6×1 atinge um milhão de assinaturas e tem uma PEC protocolada pela deputada Érika Hilton. Entre isso, não faltaram, do ano passado para cá, protestos e demandas de entregadores de aplicativos e ubers por direitos trabalhistas. Tudo isso é para dizer que a luta muda conforme nós mudamos. E se por um lado temos que lidar com a lógica liberal e as bizarrices do capitalismo tardio, por outro, tem muita gente, principalmente entre os mais jovens, disposta a fazer alguma coisa para mudar esse quadro de exploração. 

É daí que surgem discussões como a que o Movimento VAT promove. O fim da escala 6×1, a redução para a escala 4×3 (quatro dias trabalhados por três de folga), a redução da jornada de trabalho de oito para seis ou quatro horas, todas essas são demandas que surgem não só no Brasil como em diversos outros países. A nossa lógica de trabalho não condiz mais com as condições em que vivemos. As pessoas não estão mais dispostas a serem exploradas em subempregos em troca do mínimo para sobreviver porque, afinal de contas, está cada vez mais difícil sobreviver com o mínimo. As redes sociais, principalmente o Facebook e o Instagram escancaram as diferenças sociais, e não é mais tão fácil (não por falta de tentativa das grandes empresas) vender a ideia de que o trabalho duro edifica e pode te levar a subir de classe econômica com o tempo. 

Entretanto, como sempre, a teoria é mais fácil que a prática. E nem precisamos ir muito longe para perceber isso. Em Bagé, a prefeitura paga quatrocentos reais para que estudantes de licenciatura (a maioria, da Unipampa) assumam posições como professores. Ou seja, você tem na cidade estagiários trabalhando por vinte horas semanais ganhando menos da metade do salário mínimo e fazendo trabalho que deveria ser de professores concursados. Eu fui uma dessas pessoas, até que não pude mais aguentar o absurdo. Todos os estagiários com quem converso concordam que é um absurdo. Aliás, não há ninguém para quem eu conte isso que não ache um absurdo. Mas não faltam estagiários para a prefeitura. É que, às vezes, a opção é entre o absurdo ou abandonar o curso. E aí como é que eu digo para esses estudantes abandonarem uma das poucas fontes de renda que não comprometem (muito) os estudos? A maioria acumula estágio e bolsa. Para a prefeitura, basta demitir e contratar outros. 

Não tenho a solução para esse problema. Posso conjecturar possibilidades, como aumentar o valor das bolsas nas universidades, oferecer mais bolsas, expandir os programas de permanência e aumentar seus valores e construir moradias estudantis. Tornar o restaurante universitário (RU) gratuito para todos, expandir os acervos das bibliotecas, melhorar a infraestrutura da universidade, enfim. Eu poderia seguir com a lista de demandas, mas a solução não está no que eu acho que deve ser feito. Como sempre costuma ser, a solução está na organização coletiva. É o movimento estudantil organizado que pode lutar pelos direitos dos estudantes, garantindo que esse tipo de exploração não possa acontecer, atendendo os estudantes nas suas demandas mais específicas. Aliás, a luta trabalhista e a luta estudantil não são indissociáveis e nem são diferentes. No fim, o desejo é o mesmo — ter dignidade e viver melhor.

Eduarda Manzke é aluna do sétimo semestre de Letras – Português e bolsista do PET Letras. É membro do Diretório Acadêmico do Curso de Letras (DALE) e representante discente do curso de Letras. Gosta de literatura, música, e nas horas vagas brinca de escrever. 

“Esta é a coluna do PET-Letras, Programa de Educação Tutorial do curso de Letras – Português e Literaturas de Língua Portuguesa, do campus Bagé. O programa, financiado pelo FNDE/MEC, visa fornecer aos seus bolsistas uma formação ampla que contemple não apenas uma formação acadêmica qualificada como também uma formação cidadã no sentido de formar sujeitos responsáveis por seu papel social na transformação da realidade nacional. Com essa filosofia é que o PET desenvolve projetos e ações nos eixos de pesquisa, ensino e extensão. Nessa coluna, você lerá textos produzidos pelos petianos que registram suas reflexões acerca de temas gerados e debatidos a partir das ações desenvolvidas pelo grupo. Esperamos que apreciem nossa coluna. Boa leitura”

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