Ano 12 Nº 013/2024 – Reflexões da obra “O avesso da pele”

Por Ana Gabriely dos Santos Dias

Obra vencedora do prêmio Jabuti em 2021, “O  Avesso da Pele”, escrito pelo autor Jeferson Tenório, aborda questões que são de suma importância debater nos tempos atuais. Vivemos em um mundo em que a violência contra a população negra está cada vez maior, segundo reportagem do UOL, os casos de racismo aumentaram 67% no período de 1 ano, além do aumento da violência policial com as pessoas pretas. E vemos frequentemente obras literárias e cinematográficas abordando a temática, como se fosse um grito de socorro, para as vozes do povo preto serem ouvidas.

O livro “O avesso da pele” que ganhou mais destaque esse ano, após a censura da obra em escolas públicas, narra a história de Henrique, um homem negro, professor de português da cidade de Porto Alegre no Rio Grande do Sul. Mas quem relata essa história é Pedro, seu filho, que fala da trajetória de seu pai, a partir de suas lembranças. No primeiro momento da obra, temos Pedro que conta a história como se estivesse se dirigindo ao pai que foi morto em uma abordagem policial. Ele observa os objetos do pai e faz essa viagem em suas memórias, entrelaçando com a sua vida, e das pessoas à sua volta, aqueles objetos observados ainda carregam parte de seu pai.

A obra é marcada pelo racismo e a desigualdade social, as personagens refletem as pessoas do dia-a-dia, suas relações e seus sentimentos, isso faz com que o leitor se aproxime mais da obra, há uma conexão com a realidade. No trecho a seguir vemos como o “ser negro” ou o “se descobrir negro”, embora carregue isso a vida toda, é de grande dificuldade pessoal de cada sujeito.

Resistir fazia parte da sua vida e você nunca havia se questionado por que as coisas eram assim. Nunca se questionou por que era pobre, nunca se questionou por que vivia sem pai. Nunca se perguntou por que a polícia o abordava na rua com tanta frequência. A vida simplesmente acontecia e você simplesmente passava por ela. Mas, quando o professor Oliveira contou para sua turma sobre Malcolm X, quando vocês conversaram sobre Martin Luther King, quando pela primeira vez você ouviu a palavra “negritude”, o seu entendimento sobre a vida tomou outra dimensão, e você se deu conta de que ser negro era mais grave do que imaginava. (Tenório, 2020, p. 24).

Nesse trecho temos a reflexão de Henrique, sobre o como ser negro implica em várias situações, principalmente nas coisas negativas, como o racismo e a perseguição policial. O que chama a atenção é a frase final “ser negro era mais grave do que imaginava”, talvez o autor tenha tido um propósito na escolha de palavras, mas na primeira leitura passa a impressão de como se fosse um crime ser negro, não temos uma explicação do que significa esse “grave”. Mas poderia ser uma interpretação, de como é grave ser negro em um mundo branco.

Além disso, temos outros trechos que remetem a esterotipização e objetificação de como os corpos negros são tipificados pela branquietude, essas partes que foram motivo de censura em algumas escolas do Brasil, pois tinha as descrições dos orgãos sexuais em uma cena de sexo, mas ao ler o livro, percebe-se claramente que o conjunto da cena tem um grande significado.

Também no decorrer do livro, temos cenas claras daquele racismo mascarado em piada, que ocorre muito no cotidiano.

Acontece que, em pouco tempo, você não só passou a ser o negão da família, como também passou a ser uma espécie de para-raios de todas as imagens estereotipadas sobre os negros: pois disseram que você era mais resistente à dor, disseram que a pele negra custa a envelhecer, que você deveria saber sambar, que deveria gostar de pagode, que devia jogar bem futebol, que os negros são bons no atletismo. Você não corre? Que os negros são ruins como nadadores, já viu algum negro ganhar medalha olímpica na natação? Agora, olhem lá nas corridas. Vocês ganham tudo. É porque desde cedo aprendem a correr dos leões na África, não vê como aqueles quenianos sempre ganham a São Silvestre?

(Tenório, 2020, p.22).

É aquela famosa situação, “eu não sou racista até tenho um amigo negro”, nessa obra acompanhamos de perto situações vivenciadas pelas pessoas negras em uma sociedade racista, em que tudo o que uma pessoa negra faz é colocado à prova. Viver uma vida em que precise ficar sempre em alerta, com instruções para a sobrevivência, porque no fim é isso que acontece. E até mesmo quando você segue essas regras, ditadas somente para negros, você pode piscar errado e um policial mirar uma arma em você, e isso, sim, é um crítica  a violência policial que aumenta dia após dia.

Essa obra tem muitos pontos a serem abordados e discutidos, por agora, eu me mantenho nessa reflexão, quantas vidas ainda serão destruídas? Quantas obras serão escritas? até que essa violência contra o povo preto pare.

Referências:

FERREIRA, Lola. Registros de racismo crescem 67% em um ano; RJ tem maior número de casos. UOL, Rio de Janeiro, 2023. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2023/07/20/crescimento-casos-racismo.htm?cmpid=copiaecola. Acesso em: 09 mar. 2024.

TENÓRIO, Jeferson. O avesso da pele. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.

SOBRE MIM:

Ana Gabriely dos Santos Dias graduada do curso de Letras Português e Literaturas de Língua Portuguesa da Universidade Federal do Pampa (Campus Bagé – RS), atualmente é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Línguas (PPGEL) da Unipampa Campus Bagé/RS. Membro do Núcleo de Estudos Afro-brasileiro e Indígenas Oliveira Silveira (NEABI – Oliveira Silveira) e também do Núcleo de Estudos em Inclusão (NEI). Seus interesses são em Análise do Discurso e Literatura.

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