A resistência diária do futebol feminino
Por Arthur Teixeira Ernesto
Desde o lançamento do livro “O que é lugar de fala?”, de Djamila Ribeiro, esse termo ainda vem sendo questionado ou, melhor dizendo, vem sendo confundido pelas pessoas. A exemplo disso, muitos como eu, inclusive, acreditam que só podem falar ou discorrer sobre determinados assuntos se tiverem prioridade com tal temática, por exemplo, um homem não pode falar sobre questões feministas porque ele não é uma mulher para ter propriedade de comentar ou debater sobre esse assunto pelo simples fato dele não ser mulher, mas lendo um pouco e pesquisando sobre esse assunto, chego à conclusão que: por mais que eu seja um homem, eu, enquanto homem, posso falar em que ocupo enquanto sujeito em determinada formação social.
E para a escrita desta coluna, resolvi escrever sobre a história do futebol feminino, com um olhar voltado para a seleção brasileira feminina e fazer críticas à mídia e ao pouco marketing que fazem para esses eventos.
Um pouco da história do futebol feminino no Brasil
Em 1894, através de Charles Miller foi introduzido oficialmente o futebol no país, na cidade do Rio de Janeiro. Com isso, mundialmente, sabemos que o Brasil é conhecido como “o país do futebol”, mas sabemos que, predominantemente, esse discurso sobre o país foi construído por uma formação discursiva ideologicamente machista, pois as mulheres não tiveram participação na construção do título “país do futebol”.
Historicamente, desde os anos 20, o futebol femino resiste, pois naquela época o esporte era praticado somente nas periferias ou era visto como recreação de circo, em que as mulheres eram submetidas a intreter o público jogando futebol. Com o passar das décadas, nos anos 60, no estádio do Pacaembu (SP), o futebol feminino começou a ter partidas e, positivamente, começou a chamar a atenção do público, porém, algumas pessoas daquela época não gostaram de ver 22 mulheres correndo num campo de futebol. Consequentemente, o governo ditador e machista da época, por meio de leis, proibiu o futebol feminino, alegando que não era um esporte para as mulheres, argumentando que elas eram fracas, que seus corações, corpos etc. não eram resistentes. Já no final dos anos 70, com a revogação dessa lei, o futebol das mulheres não obteve uma ascensão.
E depois de 89 anos após o surgimento do futebol no Brasil, com muita luta e resistência precisaram suportar (e ainda suportam), discursos como: “futebol não é coisa de mulher”, “que elas são sapatão”, só em 1983 que o futebol feminino foi reconhecido e regulamentado. Anos depois, em 1988, como uma espécie de evento experimental, na China, foi realizada uma partida mundial para, futuramente, configurar uma Copa Mundial Feminina. As jogadoras da época sequer tinham vestimentas com suas medidas próprias, pois tiveram que utilizar os fardamentos da seleção masculina, enquanto as suas rivais estavam bem equipadas e uniformizadas, ou seja, essa atitude demonstra um menosprezo para com o futebol feminino brasileiro. Logo, em 1991, ocorreu a primeira Copa do Mundo Fifa de Futebol Feminino, mas infelizmente a seleção brasileira acabou perdendo na primeira fase dos jogos para Estados Unidos e Suécia, pois as jogadoras tiveram menos de um ano de treinamento e pouco patrocínio.
Um olhar para a contemporaneidade
Acredito que seja quase impossível você nunca ter escutado na televisão ou em aplicativos de vídeos a frase emblemática: “Vai que é sua Taffarel!” ou “É “penta!”, proferido por Galvão Bueno e, nitidamente, essas frases ficaram marcadas para a conquista dos atletas masculinos, mas eu fico me perguntando: Por que não há frases marcantes como essas nas narrações do futebol feminino? Visto que, essas frases poderiam trazer uma potencialidade de marketing para que deixasse marcada as partidas da seleção brasileira de futebol feminino.
Um outro questionamento que eu faço, ao meu ver, é com relação ao desempenho das coberturas e, principalmente, nas divulgações que antecedem a Copa Mundial Feminina, pois eu não vejo uma cobertura grandiosa como fazem com o Mundial dos homens, em que no início da partida acontecem shows pirotécnicos com grandes tecnologias e na final dos jogos acontecem mais espetáculos de encerramento, já anunciando o próximo país que sediará o evento, vale destacar, que nesse meio tempo entre início e final de copa, acontecem mais eventos para que os países lancem sua candidatura para sediar os próximos jogos, e também no ato da convocação dos atletas, e toda essa movimentação grandiosa eu não vejo acontecer com o futebol feminino. No Brasil, há décadas se discute a igualdade salarial entre as jogadoras e os jogadores, e sim, é importantíssimo que se discuta isso, pois vemos que até no marketing comercial existe desigualdade de gênero mas também é importante que a cobertura jornalística e de patrocínio tratem as duas categorias com igualdade, pois o que vemos são os homens ganhando honrarias como bola de ouro, chuteira de ouro, luva de ouro, e outras recompensas, já as mulheres quando se destacam, lamentávelmente, ganham utensílios domésticos.
Outro fator que me chama atenção é que nós, em Bagé/RS, temos uma Campeã Mundial, a Daiane Menezes Rodrigues, conhecida como Daiane Bagé
que, infelizmente, sua trajetória não é tão difundida e enaltecida assim como a do próprio jogador bageense Cláudio Ibraim Vaz Leal, conhecido como Branco, pois esse jogador foi homenageado com estátua na praça da cidade, então, eu me questiono: Por que a Daiane Bagé não tem uma estátua na cidade? Por que a mídia só enaltece as jogadoras mulheres enquanto estão fazendo sucesso e depois esquecem delas? Além disso, por que as lojas/comércio não estão em clima de copa? Cadê as fitinhas/bandeirinhas verde e amarelo nas lojas? Cadê o público que usava verde e amarelo nas eleições presidenciais e se dizem patriotas? Esse patriotismo era só para surfar na onda bolsonarista? Ou o amor pratriótico é apenas voltado para a seleção masculina ou para os seus mitos?
Considerações finais
Com base nas discussões trazidas neste texto, percebo que, mesmo com os avanços das tecnologias e das novas gerações, infelizmente, a nossa seleção brasileira de futebol feminino ainda é vista como um time amador, sem ter a devida visibilidade que deveria ter, visto que as atletas já mostraram que elas são capazes de conquistar muito mais títulos, não é à toa que elas participaram de sete edições da Copa América, tendo ganhado por seis vezes, sim, elas são hexacampeãs, conquistaram a medalha de prata nas Olimpíadas de Atenas, em 2004, e são ouro nos Jogos Pan-Americanos de 2003 e 2007. Por fim, deixo aqui as minhas vibrações positivas para que as jogadoras façam uma linda copa, que elas mostrem a nossa brasilidade para o mundo, que elas aproveitem muito, e que elas tenham sua dedicação e valores reconhecidos ganhando a taça ou perdendo.
Referências
RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala?.- Belo Horizonte (MG): Letramento: Justificando, 2017.
Dados do autor:
Arthur Teixeira Ernesto: graduando no 8º semestre do curso de Licenciatura em Letras – Português e Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Pampa – Unipampa Campus Bagé/RS. Futuro mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Línguas (PPGEL) da Unipampa Campus Bagé/RS. Bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET-Letras Bagé). Membro do Grupo de Estudos Pecheutiano (GEP). Pesquisador no Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas Oliveira Silveira (Neabi Oliveira Silveira). Integrante do Centro de Escrita da Unipampa (CEU).
“Esta é a coluna do PET-Letras, Programa de Educação Tutorial do curso de Letras – Português e Literaturas de Língua Portuguesa, do campus Bagé. O programa, financiado pelo FNDE/MEC, visa fornecer aos seus bolsistas uma formação ampla que contemple não apenas uma formação acadêmica qualificada como também uma formação cidadã no sentido de formar sujeitos responsáveis por seu papel social na transformação da realidade nacional. Com essa filosofia é que o PET desenvolve projetos e ações nos eixos de pesquisa, ensino e extensão. Nessa coluna, você lerá textos produzidos pelos petianos que registram suas reflexões acerca de temas gerados e debatidos a partir das ações desenvolvidas pelo grupo. Esperamos que apreciem nossa coluna. Boa leitura”.