Ano 10 nº 065/2022 – A cultura como forma de poder

Por Giana Guterres

Nos últimos meses, estive imersa na escrita final da minha dissertação de mestrado, que tem como tema gestão e comunicação de espaços culturais e minha mente está fervendo de reflexões que se não cabem na delimitação do meu tema, com certeza podem ganhar forma em outras escritas. Então, estou eu no meio de uma pausa da revisão da parte teórica, compartilhando tudo isso. 

Podemos falar sobre inúmeros benefícios da cultura para uma cidade, sejam sociais, econômicos, políticos e simbólicos, e, isso em si, já daria alguns artigos. Mas, existe um risco muito grande quando a cultura vai por outro caminho e se torna uma forma de mostrar poder.

Nas minhas reflexões pessoais, existem muitas maneiras de manipular a cultura para benefícios próprios e políticos (eu já indiquei o documentário Arquitetura da Destruição, né!?). Por exemplo, quando tivemos uma ministra da cultura que, por ser de São Paulo, destinava quase toda a verba federal para aquele estado – e olha que geralmente esse orçamento é 1% de todo o país. Pensa o impacto de centralizar isso somente em um estado… Ou ainda, podemos falar de casos recentes de gestores da cultura defendendo o armamento e tiro esportivo por terem a atividade como prática pessoal – o que em nada tem de cultura. Poderia fazer um texto somente com exemplos neste sentido.

Uma é entender a cultura somente como entretenimento e não levando em conta sua importância para a formação crítica do cidadão. Outra é ter os espaços culturais da cidade funcionando somente nos horários comerciais, quando a ampla maioria da população está trabalhando. O tipo de arte que se entende como arte também pode ser nítido na curadoria dos espaços – a ausência de curadoria também comunica algo. Acho que isso diz sobre para quem a cultura está sendo pensada, não é mesmo?

Muito se ouve também sobre os espaços culturais das cidades estarem abertos para toda a população. Mas, será que está? Olhando do meu ponto de vista de também artista, não basta ter um espaço disponível, é preciso que haja um fomento para os artistas locais. Sem dar condição de criação e produção e sem uma gestão que vá além dos nomes tradicionais e em conceitos de diversidade, é uma autodeclaração de quem pode fazer arte, de quem pode ser artista. Da mesma maneira, é a mensagem que fica de grupos artísticos fechados  e muito restritos que se reúnem ou reuniões quase secretas em que só participa quem pensa igual, não são abertas para os demais artistas, muito menos para o público em geral. Neste sentido, tanto minha pesquisa de mestrado, quanto por gosto pessoal prefiro os espaços não convencionais e as atuações em coletivo: a casa que vira teatro, a rua que vira palco e tantas ocupações criativas de espaços que vemos por aí.

Outra reflexão que minha dissertação me leva é que o público não vai aos grandes teatros (geralmente concebidos pensando na elite) porque não se sente pertencente, pois nem ao menos se sabe o que vestir ou como se comportar. Ou seja, a própria arquitetura pode afastar as pessoas de uma atividade cultural. Mas, se trabalharmos com espaços culturais não convencionais, será que podemos diminuir essa barreira?

Outra forma de atrelar a cultura ao poder é oferecer somente uma cultura de eventos. Em termos quantitativos, até pode ser interessante. Mas, o que fica depois do eventos? Eles fomentam a cena e os artistas locais? Somente abrir espaços para artistas exporem suas artes não é política cultural. Realizar grandes eventos no ano sem ações contínuas e sem destinar verbas para quem faz a cultura na cidade não é política cultural. Tentar restringir a atuação de profissionais e artistas que não compartilham da mesma ideologia, pode ser então, uma anti política cultural.

Para descentralizar essa forma de poder, é preciso pensar em toda a cadeia: destinar recursos para a criação dos artistas, pensar de verdade, profissionalmente e com ética a gestão dos espaços culturais públicos, no fomento aos espaços culturais independentes, ter meios de comunicação que divulguem a informação da programação cultural da cidade. A descentralização só vai acontecer quando o público usufruir dos bens culturais.

Graduada em Jornalismo e Produção Cênica, mestranda em Comunicação na UFPR onde pesquisa gestão e comunicação de espaços culturais. Trabalha com projetos relacionados à literatura, teatro e com assessoria de imprensa na área de Cultura. É autora de Eu, Passarinho e Luar, o menino que escuta estrelas. Se interessa por produção de arte por mulheres, dramaturgia e teatro de animação. Escreve poemas e o que der vontade, e começou a bordar para bordar suas escritas  em @floresciversos.

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