3 poemas sobre escrita
Por Giana Guterres
escrever com os dedos
na janela molhada da chuva
até que o sol volte a brilhar e faça um arco-íris
escrever no único poste que ilumina a praça
correr sem deixar vestígios
ato escrita corpo
escrever no teto do elevador
enquanto o pé oscurece a câmera dita de segurança
escrever em folhas de papel
o ato da escrita é como um sopro
deixar que o vento as carregue sabe-se lá para onde
- escrever como tentativa de alcançar palavras desconhecidas
***
pensar em apenas uma poesia preferida é coisa de quem não tem mais o quê fazer. eu sou libriana perdoa a indecisão perdoa a desculpa para não escolher um poema preferido encher a poesia de perdão essa palavra tão santa pode me tornar iconoclasta tem gente por aí que pensa que a poesia é cheia de tantas castas
apagar tudo que escrevi até aqui reescrever e eis que apresento uma poesia palimpsesta remover toda casca até que fique só poesia pó esfarelado de letras desmanteladas
é coisa de memória. é coisa de quem tem muita coisa pra viver. não me contento em olhar pra fora só da janela. eu preciso colocar os pés na terra eu preciso sentir o vento batendo na pele eu preciso respirar até sentir que no meu pulmão cabe todo o ar que eu vejo eu preciso tocar na pele da poesia afagar afogamento poético
daqui onde estou avisto a grama, o céu e um prédio ao fim do horizonte. daqui onde estou, um pouco acima o nível da rua, tudo que enxergo é poesia. poesia preferida é onde meus pés podem pisar até sentir a terra a pedra o asfalto a calçada poesia é como atravessar a rua sem olhar para os lados
- a poesia
***
ao poema não interessa
teu extrato bancário
aquele objeto escondido no fundo da gaveta
nem a roupa molhada depois da chuva
ao poema não faz sentido
aquele congestionamento que te fez chegar atrasado
aquela mania que também era mania de um antepassado
nem a forma como você caminha
muito menos a tua mudança de humor
escreve o poema
lê o poema
como a flor que fura o asfalto
como a pedra que ora chutas no meio do caminho.
Giana é escritora e produtora cultural, mestre em Comunicação pela UFPR. É autora de Eu, Passarinho, Como eu sobrevivi quando você trouxe o inverno para dentro de mim e editora da Revista Marcela. Também é idealizadora da Ocupação Literária, mediadora do Clube de Leitura Leia Mulheres e professora de escrita, criação cênica e produção cultural no Piano Studio Cheisa Goulart.