Ano 12 Nº 080/2024 – Um fantasma de mim

Por Robin M. F.

Vivos também deixam fantasmas. Eu não sabia disso até ver aquele vulto passando por trás de mim no reflexo do espelho. A princípio, não acreditei que pudesse ser, pensei que tinha me enganado, que o susto tinha me feito imaginar características que não estavam lá. Aliás, quem pega características em um vulto? Eu sabia que o fantasma estava lá, sabia que essa parte era real. Já vinha sentindo sua presença há algum tempo, via o vulto correndo de canto de olho. Não era uma novidade sua existência quando vi ele passando devagar, como se passeasse, pelo espelho. Mas como poderia ser daquela pessoa? Eu sabia que estava viva, a notícia da sua morte teria chegado em mim. Até verifiquei, procurei seu nome na internet, em portais de notícias, obituários da semana, liguei para conferir as missas de sétimo dia da igreja e perguntei para amigos. Sua vida estava confirmada, foi visto por aí esses dias mesmo. Eu só podia ter me confundido, estava oficialmente vendo coisas. Como se ver fantasmas não fosse prova o suficiente. E a presença continuava por perto, até mais forte, como se ela se aproveitasse das minhas ideias erradas. Acontece que não eram erradas, o fantasma resolveu me provar, se provar. O encontrei parado no meio do meu quarto, iluminado pela meia escuridão, só rastros das luzes dos postes, que com esforço entravam pela janela atravessando a cortina, o tornavam visível aos meus olhos. Me observava dali, as pupilas paradas em mim, tudo exatamente como eu lembrava em seus devidos lugares. Era o fantasma daquela pessoa, não tinha como não ser, mas estava vivo. Seria só um fragmento da sua alma que resolvera, sabe se lá o porquê, permanecer comigo? Não sabia, o fantasma não respondia, mal se movia, ignorava minhas perguntas, meus gritos. Só ficava ali. Não era o tipo de fantasma que derrubava porta retratos e batia portas. Ele quase não estava, quase não era. Parou de correr pelos cantos agora que eu já sabia como era, já sabia quem era. Permanecia sempre no mesmo lugar, mexia só os olhos para me acompanhar. O que ele queria comigo? Por que não ia embora? Pensei em fazer algum tipo de oferenda, mas que tipo de oferenda se faz aos vivos? Acendi velas umas duas ou três vezes, tentei até rezar, mesmo não sabendo como. Fiz todas as limpezas energéticas que encontrei pesquisando. Até mesmo tentei mandar ele embora, tentei tocar, empurrar. Nada dava certo, ele continuava. Passei a aceitar sua presença, parei de tentar. Em algumas noites, eu o encarava de volta até dormir, ele não piscava e nem eu. Às vezes, quando me sentia sozinha começava a contar do meu dia pra ele, chorava minhas dores. E juro pra você, mesmo que isso signifique que estou perdendo ainda mais minha sanidade, ele prestava atenção, eu sabia disso, ainda que ele não fizesse nenhuma expressão, eu sabia. Não tinha vergonha dele, não tinha como evitar, ele vivia parado no meio do meu quarto, trocava de roupa na frente dele, cantava as músicas de minha playlist com todo o meu coração, até enfiava o dedo no nariz. Já fazia meses. Contei para algumas pessoas, todas pensaram que era brincadeira, era só um modo de lidar com a vida. Não adiantava nada. Passei a me perguntar se também existia um fantasma de mim, se era isso que tinha acontecido com aquela parte que eu perdi? Está por aí assombrando alguém? Perguntei isso para o fantasma também, ele não respondeu.

Robin M. F. é estudante de Letras – Português e Literaturas de Língua Portuguesa na UNIPAMPA, cresceu lendo fanfics e buscar trazer mais valorização para o gênero. Secretamente todos os seus trabalhos são escritos pela sua gata Mel.

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