Ano 13 Nº 14/2025 – O 14 de maio de 1988 e os dias que se seguem

Por: Vitória Vasconcellos e Mauricio Nunes

Fonte: Ensinar História (2025)

Muitos dos leitores deste texto receberam, durante toda a sua escolarização, a informação de que o maior legado deixado pela princesa Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança e Bourbon, regente da então colônia portuguesa, foi a promulgação da Lei Áurea em 13 de Maio de 1888.

É fato que, antes deste ato administrativo, a referida princesa havia criado a Lei do Ventre Livre (28 de setembro de 1871), a qual garantia que mulheres escravizadas pudessem criar seus filhos libertos sob o mesmo jugo ao qual eram submetidas pelos seus senhores, até que a criança completasse 8 anos de idade, ocasião na qual cabia ao senhor da mãe escolher entre receber uma indenização do governo e entregar a criança ao Estado, ou manter a criança trabalhando até os 21 anos, como forma de compensação financeira. (BRASIL ESCOLA, 2025b)

A Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel em maio de 1888, decretou oficialmente a abolição da escravidão no Brasil Colônia, sendo este o último território do continente americano a realizar este feito. Todavia, isso não pôs fim às práticas exploratórias, sobretudo no que diz respeito ao tráfico interno de escravos e a ausência de qualquer política de inclusão para os ex-escravizados, o que os deixou em situação de extrema vulnerabilidade. Conforme se pode observar pela objetividade e simplicidade do texto:

A Princeza Imperial Regente, em Nome de Sua Magestade o Imperador o Senhor D. Pedro II, Faz saber a todos os subditos do Imperio que a Assembléa Geral decretou e Ella sanccionou a Lei seguinte: Art. 1.° E’ declarada extincta, desde a data desta Lei, a escravidão no Brazil. Art. 2.° Revogam-se as disposições em contrário. Manda, portanto, a todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram, e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nella se contém.” (BRASIL, 1888)

Um dos problemas em torno da abolição é que ela foi apresentada pelo estado monárquico como um presente, e não como conquistas e resultado de lutas travadas por atores fundamentais, tornando-se então necessário destacar o envolvimento decisivo de pessoas negras nesta luta.

  • Luiz Gama – Advogado autodidata e ex-escravizado, libertou centenas de pessoas por meio de ações judiciais. (BRASIL ESCOLA, 2025c)
  • André Rebouças – Engenheiro e intelectual negro que defendia a abolição e a inclusão dos libertos na sociedade. (GELEDÉS, 2025)
  • José do Patrocínio – Jornalista e ativista, usou sua influência na imprensa para mobilizar a opinião pública contra a escravidão. (BRASIL ESCOLA, 2025a)
  • Maria Tomásia Figueira Lima – Líder abolicionista no Ceará, organizou grupos de mulheres para libertar escravizados antes da Lei Áurea. (ALVES, 2020)
  • Maria Firmina dos Reis – Uma das pioneiras da literatura abolicionista no Brasil, como escritora, poetisa e professora, ela usou sua obra para denunciar os horrores da escravidão e dar voz às pessoas escravizadas. (SANTOS, 2024)

Com a abolição da escravidão pela Lei Áurea, os grandes proprietários de terras deixaram de apoiar o imperador, descontentes com a falta de indenização pelos escravizados libertos. Esse descontentamento fortaleceu o movimento republicano, especialmente entre militares, resultando na Proclamação da República e na expulsão da Família Imperial do Brasil em 1889. (BEZERRA, 2025)

Enquanto isso, a Princesa Isabel ganhou prestígio por sua iniciativa. Como reconhecimento, recebeu do Papa Leão XIII a honraria Rosa de Ouro, e sua atuação permaneceu na memória dos libertos. (O GLOBO, 2025)

Para os mais de 700 mil ex-escravizados, as opções disponíveis eram bastante limitadas: muitos permaneceram nas fazendas, recebendo salários baixos, enquanto outros migraram para as cidades, onde acabaram realizando trabalhos instáveis e mal remunerados. (ANDRADE, 2025)

Após a Proclamação da República em 1889, o novo governo não se preocupou em integrar a população negra à sociedade. Os fazendeiros, influenciados por uma visão eurocêntrica, preferiam contratar imigrantes europeus, alegando que os negros não se adaptariam ao trabalho assalariado. (LEITE, 2025)

Esse pensamento elitista e discriminatório perpetuou desigualdades ao longo dos séculos e ainda se reflete na realidade atual. Muitos negros continuam enfrentando racismo estrutural, falta de oportunidades e marginalização social, sendo a maioria na população carcerária e com o menor poder aquisitivo, enquanto a riqueza permanece concentrada entre descendentes de europeus. (OLIVEIRA, 2025)

A abolição da escravidão, embora simbolicamente importante, foi apenas o ponto de partida de uma luta muito mais longa por justiça e igualdade. Sem políticas de reparação ou inclusão, os libertos foram lançados à própria sorte em uma sociedade que continuava a negar-lhes direitos básicos. Reconhecer o protagonismo negro na conquista da liberdade e enfrentar os legados dessa exclusão histórica é essencial para compreender as raízes do racismo estrutural no Brasil atual. Somente por meio desse reconhecimento e da ação contínua poderemos avançar na construção de uma sociedade verdadeiramente democrática e igualitária.

Autores:

Vitória Vasconcellos da Luz  – Egressa do curso Técnico Integrado em Informática no Instituto Federal de Ciência e Tecnologia Sul-Riograndense, do curso de Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas ambos no IFSul, Câmpus Bagé. Especialista em informática da educação e educação especial pela FACIBA. Mestre em ensino pela Universidade Federal do Pampa. Realiza pesquisas nas áreas de ações afirmativas, inclusão e acessibilidade. É voluntária na Associação Bajeense de Pessoas com Deficiência (ABADEF). Coordenadora Adjunta do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (NEABI – Oliveira Silveira) e do Grupo de Pesquisas INCLUSIVE ambos da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) do Campus Bagé. É técnica administrativa em educação na Unipampa onde atuou na Diretoria de Tecnologia da Informação e Comunicação – DTIC e, atualmente, é Assessora de Tecnologia, Comunicação e Acessibilidade na Pró-Reitoria de Comunidades, Ações Afirmativas, Diversidade e Inclusão – PROCADI.

Mauricio Nunes Macedo de Carvalho – Professor no Bacharelado em Engenharia da Produção (UNIPAMPA); Graduado em Engenharia Elétrica (UFSM), Mestre em Engenharia da Produção (UFSM); Doutor em Engenharia da Produção e Sistemas (UNISINOS); Membro do Instituto de Cidadania Empresarial (ICE), Coordenador do NEABI Oliveira Silveira (UNIPAMPA), Coordenador da Comissão de Avaliação Docente de Estágios Probatórios (UNIPAMPA). Coordenador do Comitê de Apoio Técnico  Equidade (CAT-Equidade UNIPAMPA). Coordenador de Tutoria do Curso de Extensão, Formação para docência e gestão para educação das relações étnico-raciais e quilombolas (UAB-UNIPAMPA). 

Referências:

ALVES, Isabela. A aristocrata que lutou para que a abolição no Ceará fosse adiantada. Observatório do Terceiro Setor, 22 jul. 2020. Disponível em: https://observatorio3setor.org.br/a-aristocrata-que-lutou-para-que-a-abolicao-no-ceara-fosse-adiantada/. Acesso em: 13 maio 2025.

ANDRADE, Ana Luíza Mello Santiago de. A vida dos ex-escravos após a Lei Áurea. InfoEscola. Disponível em: https://www.infoescola.com/historia/a-vida-dos-ex-escravos-apos-a-lei-aurea/. Acesso em: 13 maio 2025.

BRASIL ESCOLA. José do Patrocínio: quem foi, resumo, importância. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/historiab/jose-patrocinio.htm. Acesso em: 13 maio 2025a.

BRASIL ESCOLA. Lei do Ventre Livre. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/historiab/lei-do-ventre-livre.htm. Acesso em: 13 maio 2025b.

BRASIL ESCOLA. Luís Gama: nascimento, profissional e resumo. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/historiab/luis-gama.htm. Acesso em: 13 maio 2025c.

BRASIL. Lei nº 3.353, de 13 de maio de 1888. Declara extinta a escravidão no Brasil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim3353.htm. Acesso em: 13 maio 2025.

BEZERRA, Juliana. Lei Áurea: resumo sobre a abolição da escravidão. Toda Matéria. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/lei-aurea/. Acesso em: 13 maio 2025.

ENSINAR HISTÓRIA. Assinada a Lei Áurea [recurso eletrônico]. Disponível em: https://ensinarhistoria.com.br/linha-do-tempo/assinada-a-lei-aurea/. Acesso em: 13 maio 2025.

GELEDÉS. Novo herói da pátria, André Rebouças deixou legado antirracista. Disponível em: https://www.geledes.org.br/novo-heroi-da-patria-andre-reboucas-deixou-legado-antirracista/. Acesso em: 13 maio 2025.

LEITE, Joenildo Fonseca. A contribuição do movimento negro na construção da república. Recanto das Letras. Disponível em: https://www.recantodasletras.com.br/artigos/5093575. Acesso em: 13 maio 2025.

O GLOBO. Leão XIII: último Papa Leão enviou carta ao Brasil ao saber que país buscava ‘extirpar completamente barbárie da escravidão’. O Globo, 9 maio 2025. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2025/05/09/leao-xiii-ultimo-papa-leao-enviou-carta-ao-brasil-ao-saber-que-pais-buscava-extirpar-completamente-barbarie-da-escravidao.ghtml. Acesso em: 13 maio 2025.

OLIVEIRA, Wiliane Barbosa de. O encarceramento tem cor: a interface da seletividade penal e a cultura do racismo estrutural. Jusbrasil, 22 maio 2025. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/o-encarceramento-tem-cor/2081898682. Acesso em: 13 maio 2025.

SANTOS, Iracema Paixão dos. Insubmissa mulher: Maria Firmina, uma voz feminina negra no contexto da abolição. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Centro de Estudos Afro-Orientais, Salvador, 2024.

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