Ano 13 Nº 04/2025 O Brasil no Oscar e a necessidade de olharmos para nós
Por: Eduarda Manzke
No começo de 2025, Walter Salles, Fernanda Torres e o filme Ainda Estou Aqui voltaram as atenções do Brasil para a temporada de premiações do cinema, que terminou em dois de março, com a cerimônia do Oscar. Pela primeira vez na história, o Brasil se tornou um dos protagonistas na disputa pelos prêmios mais importantes do cinema mundial, provando que não há nenhum lugar do mundo como aqui, uma vez que o grande destaque disso tudo foi o povo brasileiro.
O filme estreou em novembro, no Brasil, e é uma adaptação do livro de mesmo título escrito por Marcelo Rubens Paiva e lançado em 2015. A história acompanha a família Paiva, que tem a vida interrompida quando o pai, Rubens Paiva (interpretado por Selton Mello), é sequestrado, torturado e morto pela ditadura militar. A maior parte da narrativa concentra-se em Eunice Paiva, a mãe, e em sua luta para encontrar respostas sobre o que aconteceu com o marido, enquanto tenta manter sua família unida e criar os cinco filhos. Como Fernanda Torres, que interpreta Eunice no filme, pontuou em diversas entrevistas, não se trata somente da história de uma família. É uma história sobre os efeitos da Guerra Fria, sobre os governos ditatoriais que assolaram a América Latina com financiamento estadunidense, é sobre perda, memória, luta e dor. É uma história sobre todos nós.
A jornada para o Oscar começou em Veneza, onde o filme foi ovacionado. Depois disso, ganhou diversos prêmios em festivais de cinema pelo mundo, até chegar no Globo de Ouro, ocasião em que Fernanda Torres ganhou o prêmio de melhor atriz em filme de drama. A vitória histórica atraiu ainda mais atenção para o filme e aumentou a intensidade da campanha para o Oscar. Em 23 de janeiro, vieram as indicações: melhor filme estrangeiro, melhor filme e melhor atriz. As comemorações invadiram a internet, e Torres pediu nas redes sociais que os brasileiros “não criassem clima de copa do mundo”. Tarde demais. Na noite do Oscar, Ainda estou aqui parou as pessoas no meio do carnaval para assistir à transmissão da premiação. Como resultado, ganhamos o Oscar de melhor filme estrangeiro. A alegria da comemoração só não foi maior que a indignação de ter perdido nas outras categorias, principalmente, na de melhor atriz, e em especial pelo fato de que, em 1999, Fernanda Montenegro também ter perdido na categoria. Na segunda-feira, após a premiação, por motivos que talvez só a psicologia explique, o sentimento era de derrota, e os brasileiros se sentiram roubados.
Assim, a impressão que fica é que não soubemos aproveitar a vitória, preocupados demais com o que não ganhamos e em criticar quem ganhou. O brasileiro não queria apenas o reconhecimento do Oscar, queria ver Fernanda Torres brilhar e compensar a derrota da mãe. Era um dia de vingança. É difícil ver que não soubemos aproveitar uma conquista, cegados pelas expectativas que criamos, mas é, também, sintomático da forma como encaramos as coisas.
Além do talento como atriz e escritora, Fernanda Torres tem algo que é fundamental para um artista: o poder de síntese. Em entrevista para o UOL, ela condensa em uma frase um sentimento presente em todos nós e diz que, ao mesmo tempo que há no Brasil um complexo de vira-lata, temos pena do mundo por não saber o que a gente sabe. “Como eu posso conversar com alguém que não conhece Nelson Rodrigues?”; pois eu também não sei, Fernanda.
Em 2024, uma americana que cria conteúdo literário para o Tik Tok viralizou após ler Memórias póstumas de Brás Cubas em um desafio literário. Ela se apaixonou pela obra e despertou o interesse do público brasileiro, que se encantou pelo encantamento dela. Compreensível — Brás Cubas mudou a minha vida quando eu li pela primeira vez também.
Se por um lado, é maravilhoso que isso esteja acontecendo, e que todos os dias o mundo esteja redescobrindo a nossa literatura, por outro fica aquela impressão de que é preciso que um gringo nos reconheça para nós nos reconhecermos também. Todos os dias, aqui no Brasil, lemos, escrevemos e pensamos sobre Machado. Por que só o conteúdo da “gringa” viraliza?
Vivemos, assim, nessa situação complexa e contraditória. Nosso complexo de vira-lata faz com que valorizemos o que vem de fora e desprezemos o que vem de dentro. Ao mesmo tempo, vivemos intensamente a nossa cultura, consumimos nossas músicas, nossas novelas, organizamos nossas festas. Queremos a validação que vem de fora, e nos ressentimos quando não olham para nós. Nos empolgamos quando descobrem Machado de Assis, Clarice Lispector, Chico Buarque ou Milton Nascimento, porque temos, sim, pena, de que o mundo não conheça nossa cultura. Nós, que somos abertos ao mundo, queremos que ele se abra para nós também.
Eu, de minha parte, sinto, sim, pena de quem não sabe a delícia de cantar “Balão Mágico” com os amigos a pleno pulmão. Por outro lado, acho que a valorização que vem de fora é secundária. Não faço questão. Não é essa suposta valorização, nem uma suposta “vingança” pelo Oscar perdido de 1999, que vai impulsionar a nossa cultura, que vai financiar e dar continuidade a nossa arte. Isso só será feito quando olharmos para dentro.
No fim das contas, espero que a gente aprenda a comemorar esse Oscar como ele merece, e que essa vitória sirva para nos dar um lembrete: somos muito bons e podemos muito mais.

Eduarda Manzke é aluna do nono semestre de Letras – Português e bolsista do PET Letras. É membro do Diretório Acadêmico do Curso de Letras (DALE) e representante discente do curso de Letras. Gosta de literatura, música, e nas horas vagas brinca de escrever.