Ano 12 Nº 043/2024 – THE CRASH IN THE SILENCE | RETURN TO THE BLACK ATLANTIC
Escrito por Ana Dos Santos – Tradução de Kyler Johnson
O ESTRONDO DO SILÊNCIO | THE CRASH IN THE SILENCE |
o mundo parou | the world ceased |
mas a terra não parou | yet the earth never ceased |
de girar | its shifting |
pessoas morrendo | people dying |
aqui e em todo lugar | here and everywhere |
sempre foi assim | it’s always been this way |
a roda a girar | round and round |
a morte e a vida | life and death |
pessoas nascem | people coming to life |
pessoas morrem | people going to death |
mas, dessa vez, | but, this time, |
primeiro, | first, |
ouviu-se o estrondo do silêncio | the crash in the silence was heard |
medo | dread |
… | — |
corpos começaram a tombar | bodies began to fall |
um atrás do outro | one after another |
como um dominó | like dominos |
comecei a contar os mortos | and I started to count the dead |
perdi a conta | lost track |
um chinês | one Chinese |
um italiano | one Japanese |
um japonês | one Italian |
uma prece para esses três | a prayer for the three men |
uma espanhola | one Spaniard |
uma nigeriana | one American |
uma americana | one Nigerian |
encontradas mortas | all women found dead |
em cima da cama | each upon their bed |
um brasileiro | one Brazilian |
um alemão | one German |
um estrangeiro num cruzeiro | one Stranger on a cruise |
que não pôde atracar | that couldn’t dock |
corpos sem velório | funeral-less bodies |
mandados para enterrar | sent to burial |
… | — |
o estrondo de uma lágrima | the crash of a tear |
que caiu no chão | fallen upon the floor |
um pedido de socorro | a cry for help |
de joelhos | kneeling |
uma oração | a prayer |
pedidos foram feitos: | orders that were given: |
‘“fiquem em casa” | “Stay at home” |
e as pessoas obedeceram | and the people obeyed |
e em suas casas | and in their homes |
foram encontradas mortas… | the dead were found— |
silêncio | silence |
… | — |
descobriram que a solidão | they discovered that solitude |
mata | kills |
aos poucos | little by little |
de repente | then suddenly |
descobriram que seres humanos | they discovered that human beings |
vivem sem água | can live without water |
sem pão | without bread |
sem teto | without shelter |
sem coração | without a heart |
… | — |
silêncio | silence |
… | — |
um abraço na tevê | a hug on the TV |
causou indignação | spurred scorn |
um médico e uma presidiária | a doctor and a female convict |
foram julgados sem exceção! | judged with no reprieve; |
hoje, essas mesmas pessoas | today, those same people |
que julgaram a atenção | who judged this kindness |
imploram por um carinho | beg for affection |
um abraço | an embrace |
um aperto de mão | the touch of another’s hand |
… | — |
o estrondo | the crash |
que parou o mundo | that stopped the world |
talvez seja uma lição | is perhaps a lesson |
talvez seja em vão | is perhaps in vain |
não precisamos esperar | we do not need to wait |
por nada | for anything |
que fica igual a situação | akin to the situations |
da mulher | of those who are women |
do negro | of those who are Black |
do índio | of those who are indigenous |
do gay | of those who are gay |
da lésbica | of those who are lesbians |
das pessoas trans | of those who are trans |
esses corpos | these bodies |
vêm tombando | that continue falling |
na floresta | in the forest |
e no quarteirão | upon city streets |
eu também já perdi | once again, I have already |
a conta | lost count |
dos que talvez | of those who |
sobreviverão | may survive |
ao estrondo | the crash |
do silêncio | in the silence |
do abandono | in the dereliction |
e da solidão | and in isolation |
morreremos | we will die |
afogados | drowned |
no mar de desilusão | in the sea of disillusion |
esse vírus invisível | this invisible virus |
não vai te poupar, não! | that shall not spare you, |
não tem álcool | that no alcohol |
nem vacina | nor vaccine |
não limpa com água e sabão | nor soap and water might clean |
o estrondo do silêncio | the crash in the silence: |
é uma voz dizendo: não! | a voice that continues to say: No! |
RETORNO AO ATLÂNTICO NEGRO | RETURN TO THE BLACK ATLANTIC |
Quero escrever uma carta para colocar numa garrafa e lançar ao mar. | I wish to write a letter, put it in a bottle and throw it out to sea |
O mar do Atlântico negro… | The sea that is the Black Atlantic |
o mar que na sua ressaca traz à beira da praia os corpos dos imigrantes, | The sea’s tide brings upon its bank the bodies of immigrants |
refugiados, expatriados, | refugees, expatriates |
que junto de suas crianças correram em busca de uma vida melhor e encontraram a morte… | who alongside their children ran in search of a better life, who found death— |
Ah, esqueci! | But wait, I forget myself; |
Esqueci que essa era uma carta de amor para a humanidade. | Forget that this was supposed to be a love letter to humanity |
Mas quem pode exigir amor, quando tem criança morrendo de fome, | Though who can expect love when there are children who die of hunger |
ou em meio a uma guerra? | or who are caught in the midst of war? |
Como posso falar em amor, | How shall I speak of love |
quando famílias inteiras morrem afogadas nesse mar de sangue, | when whole families die drowned in this sea of blood |
numa diáspora forçada, | in a forced diaspora |
que refaz a rota do descobrimento numa rota de desespero | that reconstructs the path of discovery into a path of desperation |
e de cobrança de tudo que nos arrancaram, | collecting all that they wrung from us: |
terra, língua, saberes, cultura, espiritualidade. | Land, languages, wisdom, culture, spirituality. |
Como é necessária a reeducação do homem branco! | Oh, the necessity of re-raising the white man! |
Esse homem que vive de privilégios, | This man who has lived with such privilege |
desde sempre, | since time immemorial |
montado nas costas dos negros | built upon the backs of Blacks |
e brincando de cavalinho com as amas-de-leite negras… | playing like little cowboys with their Black wet nurses— |
Como vamos educar o respeito ao diferente | How shall we raise this man to respect difference |
para o homem que objetifica os corpos das indígenas e das negras? | when he objectifies the bodies of those who are indigenous, who are Black? |
Como vamos dar liberdade a tantos negros inocentes | How do we liberate so many innocent Black folk |
que lotam as prisões | that fill prisons |
pagando por crimes que não cometeram | paying for crimes never committed |
pagando pelo crime de ser um corpo negro… | paying for the crime of being a Black body— |
Se meu coração falasse, | If my heart could speak, |
ele sangrava… | its words would bleed— |
E eu escreveria essa carta com sangue | And I would write this letter with blood, |
e não jogaria mais ao mar, | no desire left to throw it out to sea; |
mas amarraria no corpo de um pássaro | instead, I would stick it to the body of a bird |
para enviar aos céus | send it to the skies above: |
Socorro! | Help us! |
Salvem nossas almas! | Save our souls! |
O retorno é para outro planeta! | Lead us to another world! |
O Estrondo do Silêncio e Retorno ao Atlântico Negro foram escitros da autora Ana Dos Santos e publicados no livro Maíuscula (2024 Libretos).
Ana Dos Santos (Porto Alegre/RS) é poetisa, escritora e professora de Literatura Brasileira. Mestra em Estudos Literários pela UFRGS, faz doutorado em Pós-colonialismo e identidades, onde pesquisa a escrita de mulheres negras e indígenas. É autora dos livros Flor (Corpos Editora/Portugal, 2009), Poerotisa (Editora Figura de Linguagem/RS, 2019) – finalista dos prêmios Livro do Ano de Poesia da Associação Gaúcha de Escritores do Rio Grande do Sul (AGES) e Milton Pantaleão de Literatura Independente 2020, Pequenos grandes lábios negros (Editora Venas Abiertas/MG) – vencedor do prêmios Milton Pantaleão de Literatura Independente 2021, categoria Poesia e “Maiúscula” (Libretos, 2024). Integra o catálogo Intelectuais Negras Visíveis (UFRJ) e é Acadêmica de Letras do Brasil/Rio Grande do Sul na cadeira 100 com a patrona Lélia Gonzales.
Kyler Johnson é o Fulbright English Teaching Assistant na UNIPAMPA do ano 2024. Originalmente de Des Moines, uma cidade no estado de Iowa, ele se sente bem em casa cercado da campanha do Rio Grande do Sul. Formado em Inglês e Escrita Criativa da Universidade de Iowa, ele é escritor, poeta e tradutor; para ele, o seu objetivo é construir pontes pelo poder das palavras.