Ano 12 Nº 056/2024 – Bagé, capital dos afetos do cinema latino

Por Carol Zatt

“Bagé é um portal que se abre durante o Festival Internacional de Cinema da Fronteira.”

De pronto, não estou conseguindo lembrar quem fez essa analogia (talvez eu mesma), mas é o que tenho repetido para diversos realizadores audiovisuais deste tão grande Brasil, e sido muito bem compreendida ao utilizar essa expressão. 

Quem foi, quer participar de novo. Quem ainda não veio, gostaria muito de desfrutar da experiência completa que proporciona o evento cinematográfico realizado em Bagé, na região da Campanha Gaúcha, desde 2009. Estou me referindo a cineastas, homenageados, gestores, colegas jornalistas e profissionais das mais variadas funções dentro de uma equipe audiovisual.

Depois de participar de quatro edições, desde 2018, como jurada, fazendo cobertura midiática ou, agora mais recentemente, dando apoio à produção, tenho condições de fazer algumas afirmações sobre o crescimento do festival e, consequentemente, do seu reconhecimento fora do Estado e do País.

Bagé está nesse mapa. É um mérito, hoje, um título ser selecionado pela curadoria do Festival Internacional de Cinema da Fronteira, quiçá levar para casa o lindo troféu São Sebastião. E, além disso, a vivência entre os pares do setor, nos poucos dias de evento, impulsionada ainda mais nas últimas edições pelo Mercado Sur Frontera, é um diferencial também já associado à cidade. Desde a Rainha da Fronteira, os laços criados em função da sétima arte jamais serão rompidos!

Não é somente a paisagem do Centro Histórico Vila de Santa Thereza que povoa o imaginário que circunda o festival. Estar e se sentir em um território de Fronteira para conhecer, reconhecer e celebrar os elementos culturais dessa região é um atrativo aos convidados e aos patrocinadores. É um espaço que aguarda, anualmente, ser invadido e conquistado pelos combatentes da resistência do audiovisual.

Já tinha escrito antes, para apresentar a 15ª edição, que em festivais demasiados de tamanho, é difícil estreitar as relações dos realizadores participantes (entre numerosos convidados) e dar à sétima arte o protagonismo que ela merece – e que deveria ser o principal foco. Mas o Festival da Fronteira não é só cinema, é devoção e respeito a todas as manifestações artísticas, é honrar o papel da cultura na nossa sociedade. 

A prática jornalística vicia alguns olhares, pede distanciamento. Precisamos aprender rápido a extrair de cada situação o máximo de informação relevante a ser relatada e a criar ângulos de observação cada vez mais diferenciados. Já a crítica, ela é diferente: é sensorial, imersiva, aprofundada. Ela vem do conhecimento e das trocas dele. Com o portal aberto, é necessário atravessá-lo para desbravar as coxilhas de novos horizontes.

E, até hoje, não acompanhei, profissionalmente falando, grupo mais bem-sucedido nesse quesito de proporcionar trocas culturais do que essa família de Bagé que nos acolhe de porteiras escancaradas, sempre com desafios, missões e novas propostas, capitaneada ou “acaudilhada” pelo diretor artístico Zeca Brito. Do Festival dos Afetos e da abertura ao mercado em 2018, acompanhei, no ano seguinte, o “Renascer do Patrimônio”, com o evento resgatando os vínculos com a sua história e a valorização da preservação da memória. 

Testemunhei os holofotes voltados para as diferentes regionalidades deste continente na edição de 2023, percebendo o evento se alargando mais. Neste ano, a 15ª edição comemorativa mostrou fôlego na sua grandiosidade (foi a maior até aqui, com mais do dobro de convidados das anteriores) e na busca por preencher a lacuna de integração com as produções dos países vizinhos. 

Em 2024, foi quando se falou mais espanhol em Bagé, com o Festival Internacional de Cinema da Fronteira lembrando bastante os tempos áureos quando Gramado recebia produções latino-americanas de luxo. Além da homenagem à cineasta argentina Lucrecia Martel, a língua dos “Hermanos” se escutava forte vindo das telas, das “charlas” (debates) e também nas cooperações entre os realizadores selecionados para o Mercado Sur Frontera.

O tema “América Latina, Pátria Grande” se evidenciou no dia a dia da intensa programação de atividades do evento. Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile estiveram bastante representados nas ações de conexão sediadas na Campanha gaúcha. Como Gramado optou por não exibir mais longas estrangeiros, a Rainha da Fronteira tem tudo para tomar essa referência do intercâmbio latino-americano da sétima arte não somente no Estado, mas no País.

Texto incluso no dossiê do XV Festival Internacional de Cinema da Fronteira. Confira: Festival Internacional de Cinema da Fronteira, fazer para existir

Carol Zatt é jornalista cultural, crítica de cinema membro da ACCIRS, escreve no blog Patrimônio Vivo, Vivo Patrimônio e para o Brasil de Fato/RS)

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