Ano 12 Nº 074/2024 – Um relatório técnico-afetivo do processo de montagem do curta-metragem “Da Janela do Teu Quarto”
Por Camila Albrecht Freitas
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Em maio, fui chamada para exercer a função de montagem e finalização do curta-metragem gaúcho contemplado pela Lei Paulo Gustavo da cidade de Bagé. Fiquei muito contente com o convite, pois, embora seja formada em cinema e audiovisual com foco em produções live-action, nos últimos dois anos venho trabalhando mais fortemente na área de edição para cinema de animação. Então, de certa maneira, o convite chegou para mim como um retorno à edição de cinema com atores reais.
Atualmente, moro em Porto Alegre, onde tenho a minha ilha de edição, sendo possível trabalhar de maneira remota. Já o diretor do filme, Wagner Previtali, é de Bagé, o que fez com que todo o processo de montagem, do envio de arquivos brutos até a finalização do filme precisasse ser feito a distância. Fizemos uma reunião inicial para que eu compreendesse a narrativa, a estética e as referências do filme. Além disso, conversamos um pouco sobre possíveis metodologias de montagem e também definições de como seria a sistemática de revisão do diretor com as versões dos cortes.
Após transferir os arquivos brutos de vídeo e áudio para o meu computador, em que as imagens seriam editadas, precisei definir um cronograma de entrega das primeiras versões, para que eu pudesse lidar de maneira mais objetiva com o prazo para envio do primeiro corte. A edição para cinema é uma função que mescla técnica com arte, havendo, por isso, a necessidade de não só saber manejar as ferramentas, bem como ser agraciada com a inspiração, que nem sempre está presente nos momentos em que nos propomos a trabalhar. Por isso, foi combinado com a direção que eu olharia os materiais brutos, começaria a montagem e, então, analisaria o tempo necessário que o próprio filme demandaria.
A primeira impressão que tive ao entrar em contato com os materiais brutos do filme foi de encanto com a narrativa e conexão com as imagens. Pouco a pouco, fui importando as imagens para o software Da Vinci Resolve e fui me familiarizando com cada cena. O processo de edição, por incrível que possa parecer, não começa no momento em que fazemos os cortes na linha do tempo do software, mas inicia na leitura do roteiro, na compreensão da narrativa e na visualização das cenas e das conexões entre os planos. A edição acontece, antes de tudo, na amálgama subjetiva que se sucede entre o editor e cada take.
Após observar as imagens e estar mais familiarizada com a história de amor de Felipe e Vitor, inicio os cortes e trabalho cada cena em separado, conjuntamente com o roteiro, com a decupagem dos planos e com a tabela de “Intenção de cenas”, cedidos pelo diretor. Este último documento foi de extrema importância para evitar retrabalho, porque nele a equipe já delimitou quais as emoções queriam passar, além de descrever em qual turno do dia e em qual estação do ano acontecia cada cena. Informações que acabaram por influenciar a escolha do ritmo de montagem e também a estética final de colorização. O tempo de montagem para a entrega do primeiro corte levou, ao todo, 5 semanas para edição das 15 cenas, e acabou precisando de um pouco mais de tempo do que eu esperava de início, já que levei em consideração alguns dias de pausa, que serviram como um respiro dos meus olhos frente às imagens.
Primeiramente, fiz a edição de todas as cenas na íntegra conforme o roteiro. E, depois, com o filme todo montado na timeline e cada cena separada por cor, fui lapidando os diálogos, retirando sons e ruídos que não contribuíam com a narrativa, além de remover cenas ou mudá-las de lugar, quando fosse necessário. Conforme a edição ia se desenvolvendo, em paralelo foram chegando as trilhas sonoras, que colaboraram para estabelecimento do ritmo de montagem de algumas cenas. A exemplo da cena 1, que tem trilha sonora assinada pela Kika Simone, e a vinheta de créditos finais, que teve a trilha sonora cedida pelo artista Gabro Demais. E, para determinar o corte final, a edição e direção trabalharam lado a lado, em sinergia e comprometimento. Por conta da distância, e também para evitar o envio de muitas versões com atualizações mínimas entre cortes, eu e Wagner fomos trabalhando remotamente. Eu enviava pequenos trechos renderizados com sugestões de mudanças para determinarmos o melhor caminho. Com o corte final traçado, foram iniciados então os trabalhos de mixagem sonora, executados pela Kika; de acessibilidade, assinados pela Ovni Acessibilidade Universal, e de finalização e colorização, feitos também por mim. Para a entrega do corte final, conforme as orientações da direção, prezei pela criação de uma narrativa queer de gênero romântico, atravessada pelas inseguranças cotidianas por qual passam dois jovens recém ingressados no mercado de trabalho, quando suas ambições são colocadas lado a lado às suas relações afetivas. E, nesse sentido, sinto que o trabalho da edição ajudou a enfatizar a ideia agridoce de um romance apaixonado, recíproco, mas que não se firma. No final do filme, em uma montagem que aponta para a memória, busca despertar no espectador sentimentos do que foi essa história de amor, mas também imaginar o que poderia ter sido. Ademais, trabalhar como editora para o filme Da Janela do Teu Quarto foi uma experiência muito satisfatória ao me deparar com relações muito horizontais estabelecidas entre a equipe, além de muito aprendizado ao mergulhar no universo dos personagens e nas pautas de diversidade sexual e de gênero.
Da Janela do Teu Quarto, uma apresentação
Camila Albrecht é formada em Cinema e Audiovisual pela UFPel e é realizadora de cinema, montadora de filmes e fotógrafa. Se dedica à arte da imagem através da experimentação de técnicas variadas, especialmente no cinema e na fotografia analógica. Foi editora dos curtas-metragens Teia Engole Aranha e Intraprojeção (Menção Honrosa no Festival de Cinema da Fronteira, 2015 e 2018) e da videodança Brecha (Festival de Gramado, 2022). No âmbito do cinema de animação, foi montadora da série “Tainá e os Guardiões da Amazônia” (Globoplay, 2024). É membro da EDT – Associação de Profissionais de Edição Audiovisual.