Ano 13 Nº 57/2025 O peso do ‘“se”
Aline Batista Nunes

“Esta é a coluna do PET-Letras, Programa de Educação Tutorial do curso de Letras – Português e Literaturas de Língua Portuguesa, do campus Bagé. O programa, financiado pelo FNDE/MEC, visa fornecer aos seus bolsistas uma formação ampla que contemple não apenas uma formação acadêmica qualificada como também uma formação cidadã no sentido de formar sujeitos responsáveis por seu papel social na transformação da realidade nacional. Com essa filosofia é que o PET desenvolve projetos e ações nos eixos de pesquisa, ensino e extensão. Nessa coluna, você lerá textos produzidos pelos petianos que registram suas reflexões acerca de temas gerados e debatidos a partir das ações desenvolvidas pelo grupo. Esperamos que apreciem nossa coluna. Boa leitura”.
Quantas vezes você já se pegou refletindo acerca dessa pequena expressão: “se eu”? Talvez você não saiba, mas uma das classificações da partícula “se” na língua portuguesa é a de conjunção subordinativa adverbial condicional. Apesar de parecer confusa e complicada de compreender, ela carrega muitos significados. Talvez, nesse momento, você esteja pensando em alguma situação e, mesmo inconscientemente, usando o “se” para imaginar o que poderia ter sido diferente. E “se”, naquele dia, eu tivesse feito outra escolha? E se eu tivesse pensado mais antes de dizer aquilo? E se eu tivesse reagido de outra forma?
Quando condicionamos nosso mundo em torno desses questionamentos, geralmente, não obtemos uma resposta definitiva e instantânea. Mas que, mesmo assim, insistem em nos visitar nos momentos mais inoportunos, fazendo-nos perder as oportunidades que emergem no aqui e agora. Já parou para pensar que isso nos faz viver em ciclos viciosos, cercados de possibilidades que não se concretizam? Vidas que não vivemos, amores que não começaram ou terminaram, oportunidades que deixamos passar por medo, dúvidas ou simples acaso, histórias que não aconteceram, ou que aconteceram, mas não do jeito que desejávamos.
Essas pequenas hipóteses carregam consigo o poder de nos prender a um passado que, como bem indica a palavra, já passou. O “se” é o ponto de interrogação da vida real. Aparece nos momentos em que o silêncio parece receber voz, nas noites em que o sono não vem, ou nos dias em que nos sentimos mais vulneráveis. É nesse “entremeio” do que foi e o que poderia ter sido que ficamos reféns, repensando decisões, elaborando o que poderia ter sido dito, revivendo sentimentos e imaginando finais que nunca existiram. Assim sendo, a conjunção pode ser entendida como um espelho do que poderia ter sido, mas, também, um lembrete do que ainda pode ser. E, assim, carrega o peso das escolhas que decidimos não fazer e, ao mesmo tempo, um sentimento de esperança sobre novas possibilidades que, somente, o tempo pode nos oferecer.
Na obra “O curioso caso de Benjamin Button”, escrita por F. Scott Fitzgerald e adaptada para o cinema em 2008, sob a direção de David Fincher, acompanhamos a vida de Benjamin, um homem que nasce na condição de idoso e rejuvenesce com o decorrer dos anos. A inversão do tempo provoca em quem lê ou assiste um pensamento intenso a respeito das escolhas e arrependimentos que marcam a vida de um indivíduo. Isso devido à trajetória vivida pelo personagem, pois revela que, mesmo na inversão da ordem natural, ainda carregamos dúvidas e desejos sobre o que poderíamos ter feito diferente.
A angústia gerada pelas condições nos convida a refletir sobre a singularidade da nossa existência. Se por um lado a história de Benjamin Button nos mostra o tempo de forma invertida, a palavra “se” ilustra o dilema de nossas escolhas, como resume o escritor Fernando Sabino: “O diabo desta vida é que entre cem caminhos temos que escolher apenas um, e viver com a nostalgia dos outros noventa e nove”. Essa frase resume e capta o principal tema da reflexão gerada até esse momento, isto é, o lamento pelas possibilidades não concretizadas e o desejo de chegar àquelas “noventa e nove” vidas que o “se” prometia. No entanto, a nostalgia não nos autoriza reescrever o que já passou como na ficção, porque nossa trajetória é única, composta por acertos e falhas.
Assim, talvez o segredo esteja em compreendermos que o “se” existe para nos lembrar de que o tempo é irreversível, mas a vida não se define no que ficou para trás. A incerteza sobre o que “poderia ter acontecido” deve ser o estimulante para o que “ainda pode acontecer”. Por isso, é preciso recordar que a única vida que podemos transformar é a que está sendo vivida agora. Porque, no fim, o que realmente importa não é o que poderia ter sido e sim o que pode nascer das escolhas que estamos fazendo agora.
Referências Bibliográficas:
FITZGERALD, F. Scott. O curioso caso de Benjamin Button. Tradução de Deborah Fleck. Ilustração de Julia Bullot. Barueri, SP: Via Leitura, 2022.
O CURIOSO caso de Benjamin Button. Direção: David Fincher. Produção: Kathleen Kennedy, Frank Marshall, Ceán Chaffin. Roteiro: Eric Roth. Intérpretes: Brad Pitt, Cate Blanchett, Taraji P. Henson, Julia Ormond, entre outros. Estados Unidos: Warner Bros. Pictures, 2008. 1 filme (166 min), son., color.
MANSUR, Rafael. Centenário de Fernando Sabino: veja 10 citações do escritor mineiro. [S. l.], 22 out. 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2023/10/22/centenario-de-fernando-sabino-veja-10-citacoes-do-escritor-mineiro.ghtml. Acesso em: 21 out. 2025.
Aline Batista Nunes é estudante do oitavo semestre do curso Letras-Português, na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), Campus Bagé—RS. Atualmente, é bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET) Letras.
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