Ano 13 Nº 49/2025 Entre a esquerda e a direita, as big techs como novo player político
Por: Willians Barbosa

Imagem gerada por IA.
Em um momento em que o Brasil e o mundo acompanham o desenrolar do processo de julgamento que condenou Jair Bolsonaro à prisão, a direita mantém-se aglutinada e coesa, ditando as regras do jogo político. O domínio das narrativas está nas mãos desse pessoal, que agora não tem ao seu lado apenas a grande mídia, mas também as big techs. Mais do que oferecer conteúdos relacionados aos interesses dos usuários, essas redes privilegiam entregar conteúdos que sejam compatíveis com os interesses circunstanciais dos magnatas da tecnologia. O que se pode fazer quando se constata que esse é o modo do jogo?
O governo do Nepal bloqueou o acesso a várias plataformas, sob pretexto de manipulação da opinião pública, e assistiu à revolta mais letal de sua história em décadas. A despeito da magnitude, o mecanismo é o mesmo de tantos outros da história recente. A esquerda restringe, a direita vê oportunidades. Não à toa, no que parece ser o enredo de uma distopia, os nepaleses escolheram a interina que ocupou o poder através de votação organizada no Discord.
Outro caso que deixa nítido o ímpeto da direita em se aproveitar de situações a seu favor é o da Truth Social. Criada por Donald Trump como resposta ao cerceamento de suas opiniões em outras plataformas, ela é, hoje, o principal meio de comunicação informal do presidente norte-americano. Usando as mesmas regras do jogo, o presidente entende ser a ‘’pós-verdade’’ um fato, e utiliza suas próprias narrativas para influir na realidade. Saltam aos olhos as várias implicações de tal jogada, desde a criação de um terreno fora do establishment consolidado, até mesmo a propagação da própria ”verdade” do presidente.
No Brasil, a suspensão do Twitter (ou X) no ano passado inflamou a direita e a esquerda, reacendendo a discussão sobre a regulamentação das redes. À época, Alexandre de Moraes determinou judicialmente o bloqueio após imbróglios com Elon Musk e proibiu o uso da rede social em território nacional. A decisão veio após bloqueios sistemáticos de perfis à direita e a ausência de nomeação a tempo de um representante legal da empresa no Brasil. Telegram e, em menor medida, TikTok também já estiveram no centro de debates no país, todos com a insígnia da liberdade de expressão e responsabilização criminal das plataformas quanto aos conteúdos veiculados.
Esses recortes do que acontece no Brasil, EUA, Nepal, entre vários outros países, como Reino Unido, apontam para alguns dos dilemas mais importantes da sociedade pós-midiática do século XXI. A liberdade de expressão se choca frontalmente com o resguardo da dignidade individual e de grupos nas mídias sociais. No entanto, os defensores dessas duas bandeiras, no afã desesperado de ter atendidas as suas demandas, se cegam a ponto de esquecer alguns princípios básicos anteriores a essa sociedade digitalizada. Nesse contexto de cegueira, iniciativas governamentais, sob o pretexto de combater desinformação e/ou discursos de ódio, ameaçam criar formas de controle que minam, inclusive, o acesso digital livre.
Os detentores das big techs têm sido, paulatinamente, chamados ao palco do jogo político e têm medido suas forças com as grandes nações. Em suas mãos, eles têm o controle do tráfego informacional e, por conseguinte, influência nas (re)ações de todo um povo. Foi o que aconteceu no Nepal, cujo governo com alinhamento comunista perdeu a disputa após a revolta popular ganhar as ruas. O fato aconteceu em um pequeno país, mas pode servir-nos para pensar o que acontece quando as big techs assumem essa posição de poder.
Assim, volto à pergunta: ‘’O que se pode fazer quando se constata que esse é o modo do jogo?’’. A direita, há muito, já entendeu o funcionamento da máquina e tem ao seu dispor o domínio das engrenagens humanas e de inteligência artificial, que ditam os porvires históricos. A esquerda, por outro lado, perdida em esvaziamento de pautas e contendas estéreis, se engalfinha pela sua própria existência, incapaz de angariar as gerações mais novas. Se a esquerda seguir os mesmos procedimentos de então, a pergunta pode se transformar em ‘’o que pensar quando correntes políticas perdem a relevância global, deixando grupos de indivíduos órfãos de proteção estatal, devido à falta de um projeto eficaz e a um mau direcionamento de lutas?’’.

Willians Barbosa é jornalista formado pelo Centro Universitário da Região da Campanha (Urcamp), especialista em Artes pela Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), pós-graduado em Análise do Discurso Midiático. Atualmente, é acadêmico de Letras pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa).