Ano 12 Nº 108/2024 Neologismos e rede sociais: possíveis reflexos na sala de aula

Por: Tatiane Bandeira Peters

  Fonte:  https://www.canva.com/design/DAGTFYB3QeA/7auniS3kFCm6bgCdqTl-Fw/edit

Com o advento da globalização, a inovação tecnológica afeta diretamente a vida das pessoas, já que estas são influenciadas pelas redes sociais diariamente,  pois a velocidade das informações e dos acontecimentos traz consigo constantes mudanças e inovações. E é claro que a língua também é afetada por estas mudanças, já que a língua é viva, está em constante mudança, baseada em um ato enunciativo histórico e cultural (Bakhtin, 1992). 

Pelas palavras de Bagno (2003), a língua, por ser dinâmica, está em constante movimento, sendo que as palavras são compostas e recompostas pela necessidade dos falantes em constante transformação. 

Assim, a língua se renova para atender as necessidades dos falantes, estando sempre em permanente evolução, algumas palavras surgem e outras caem em desuso.  Por influência das redes sociais (Instagram, Facebook, Tik Tok entre outras),  cada vez mais palavras como “desviver”, “desumilde”, “sextou” e “shippado” são ouvidas no dia a dia da sala de aula. 

Mas, afinal, que palavras são essas? De onde surgiram? Por que estão “viralizadas” entre nós? Quais são seus possíveis reflexos em sala de aula?

– Que palavras são essas?
Essas palavras são exemplos de neologismos, que é o nome que se dá a uma palavra recém-criada ou a uma palavra já existente que adquire um novo significado.

Segundo Carvalho (1987), neologismos são novas palavras criadas num momento dado da história da língua e estão ligadas com o contexto sócio-histórico da sociedade falante dessa língua. Nos neologismos podemos esboçar algumas características inerentes à sociedade de uma determinada época.

Ainda sobre o conceito de neologismo,  pelas palavras de Antunes (2007) neologismos são uma nova forma, uma nova significação de palavras ou expressões. Os neologismos estão vinculados ao caráter sócio-cultural da linguagem,  resultando assim,  de uma necessidade de nomeação ou de um fato social, que, em um momento da história da sociedade, determina a criação de uma nova unidade lexical que poderá ou não figurar no léxico daquela comunidade de falantes. 

Isso ocorre, pois há a necessidade de criar uma nova palavra ou dar sentido a uma palavra já existente para que possamos nos expressar de forma mais eficaz. Necessidade essa, que surge conforme o contexto social da língua. Os neologismos trazem em sua “criação” um forte aspecto social da linguagem, criando novos sentidos necessários àquele momento histórico da sociedade e sua necessidade.

Não podemos esquecer que os neologismos são criados pelos processos de formação de palavras existentes na língua portuguesa – derivação (prefixal, sufixal, parassintética, regressiva e imprópria) e composição (por aglutinação e por justaposição). Dessa forma, o léxico de uma língua é desenvolvido pelo processo de criação de palavras novas e a reutilização de palavras já existentes com nova significação constituída.

Assim, torna-se importante refletir sobre os neologismos, já que a neologia lexical notadamente é menos trabalhada que a gramática na sala de aula e/ou nos livros didáticos da língua portuguesa.

Com a BNCC, o ensino de língua portuguesa tem passado por inúmeras mudanças nos últimos tempos. O ensino focado em regras gramaticais descontextualizadas tem dado lugar a um ensino baseado na importância do trabalho com o léxico e com as variadas situações comunicativas. Os professores cada vez mais vem percebendo a importância de levar em consideração o contexto sociocomunicativo da Língua Portuguesa, repensando aspectos importantes, tais como: com quem se fala, qual intenção da fala, onde se fala, para assim fazer uma seleção lexical que atenda aos objetivos da comunicação desse grupo social. 

Como já ponderamos, a língua sendo viva e dinâmica traz em sua constituição dois elementos: o léxico e a gramática. O primeiro pode ser definido como “um conjunto de palavras e das regras de formação dessas palavras. Havendo assim, uma necessidade de valorizar também o estudo do léxico, uma vez que léxico e gramática são aliados na constituição dos sentidos de um texto”. (Antunes, 2012, p.27). 

Trabalhar o léxico  é importante pelo fato de que conhecer as “palavras” e seus processos de formação são condições básicas para que o usuário da língua possa desenvolver sua competência lexical, que deve ser entendida como a capacidade que permite ao falante compreender a significação e a ressignificação das palavras de uma língua, seus processos morfossintáticos e semânticos de criação, assim como seu intercâmbio com outros itens léxicos, o reconhecimento de novas formas e seu uso intencional (Ferraz, 2016). Dessa forma, o aluno poderá usar adequadamente os vários sentidos das palavras e perceber os melhores efeitos de seu uso em textos diversos.

O estudo do léxico, então, se configura como uma atividade de suma importância para a proficiência linguística do aluno, isto é, para o domínio efetivo de ações linguísticas em situações de uso recorrentes. Além do mais, torna-se significativo para o desenvolvimento da competência comunicativa, pois com as constantes mudanças quanto mais aprofundado o vocabulário do falante mais facilidade terá ele para ler, compreender e produzir textos. A partir disso, então, podemos perceber que quanto mais o aluno estiver envolvido com atividades que envolvam o estudo do léxico em sala de aula, mais eficiente será a sua aprendizagem no que se refere aos demais aspectos da língua. 

Na prática, nos esquecemos de que uma língua, além de uma gramática, é composta também por um conjunto de palavras (o léxico) que dão base para a construção de nossos enunciados. Quando interagimos verbalmente, o fazemos por meio de textos e usamos as palavras, como unidades de sentido, ou seja, é por meio delas que o que expressamos (oralmente ou por escrito) passa a ter sentido. Enfim, as palavras vão se materializando e mediando as intenções do nosso dizer. 

– De onde surgiram?
Podemos dizer que os neologismos podem surgir de diferentes maneiras, seja pela ressignificação; quando a palavra adquire um novo significado, como por exemplo, “desviver” que atribui um novo sentido ao verbo “viver”; seja por empréstimo, quando pedimos emprestado determinado termo, podendo ser um regionalismo, um termo técnico, uma gíria ou até uma palavra estrangeira. Temos como exemplo “deletar”, “vip”, “job” entre outros. Fundamentados em Antunes (2007), consideramos que ocorre o neologismo por empréstimo quando um elemento estrangeiro é utilizado numa determinada língua e passa a ser codificado por ela.

Observemos que “ressignificar” já é um neologismo, já que “ressignificar” vem da palavra “significar”, dando um novo contexto à palavra. 

– Por que estão “viralizadas” entre nós? 
Não podemos deixar de mencionar que o avanço tecnológico, principalmente o que concerne às redes sociais, é um dos principais motivadores para a criação de neologismos, porém alguns neologismos são criados por modismos, muitas vezes salientando o caráter pejorativo e irônico da expressão através de gírias e palavras de baixo calão, pelas comunidades de fala de textos publicitários, redes sociais e diferentes textos.

– Quais são seus possíveis reflexos em sala de aula?
A BNCC traz a habilidade EF69LP55, que consiste em “Reconhecer as variedades da língua falada, o conceito de norma-padrão e o de preconceito linguístico” (Brasil, 2018, p.161). 

Baseado no pressuposto que se faz necessário evidenciar o papel da escola no que concerne à recepção do novo, como espaço democrático das transformações sociais ou dos avanços científicos, deve-se considerar que a comunidade escolar e demais envolvidos estejam abertos à captação da renovação lexical que os movimentos de inovação lexical da língua propiciam. Deve-se salientar, ainda, que o léxico é o componente da língua mais sensível aos reflexos dos acontecimentos sociais, não há razão plausível para que os neologismos que vão surgindo na língua não sejam objeto de estudo em sala de aula. Ao considerar a importância do estudo do léxico da Língua Portuguesa, não se deve apenas considerar os casos de unidades lexicais atestadas e já cristalizadas, mas atentar também para as formações recentes e, especialmente, as muito produtivas na atualidade (no caso aqui das redes sociais e textos multimodais). 

Percebe-se que práticas pedagógicas e procedimentos didáticos, tradicionalmente empregados tanto em manuais quanto em sala de aula, têm se mostrado ineficientes quando se observa a realidade evidente.  Ao trabalhar com neologismos na sala de aula de Língua Portuguesa, é possível suscitar intervenções da parte dos alunos, tendo em vista a ampla circulação de formações neológicas por diversos veículos de divulgação. Um desses veículos são as redes sociais (populares entre os alunos), na qual circulam grande número de neologismos.

Considerações finais
Logo, o papel da escola no ensino de língua materna tem a relevante função de estimular e proporcionar o desenvolvimento das competências lexical, gramatical e comunicativa, fazendo com que o aluno consiga obter o domínio satisfatório da língua, conseguindo compreender  o processo de interação comunicativa, produzindo assim,  textos orais ou escritos e  compreendê-los.

Fundamentamos como competência lexical o conhecimento das regras lexicais e o domínio de parte deste conjunto lexical.  Com isso, a competência lexical pode ser considerada sob três aspectos: 

[…] o vocabulário ativo, que representa as palavras usadas com regularidade; o vocabulário de reserva (ou de transição), que se utiliza das palavras relativamente conhecidas, que o usuário não utiliza na fala, mas eventualmente por vezes emprega na escrita; por fim o vocabulário passivo, conjunto das palavras que o usuário reconhece, mas para não usa, por não estar  seguro, por não ter certeza de seus significados contextuais” (Ferraz, 2016, p.58). 

Já a competência gramatical gira em torno daquilo que não necessariamente é explícito ao ato de fala, mas é implícito ao processo comunicativo está interiorizado pelo falante (Battisti; Othero; Flores, 2021). 

Em relação à competência comunicativa, Canale (1995) pondera que essa competência é traduzida como um conjunto de quatro subcompetências que permanecem em constante interação: gramatical, sociolinguística, discursiva e estratégica. 

Logo, é possível afirmar que se faz necessário um trabalho constante dos professores na ampliação das três  competências dos educandos, fazendo com que o ensino da Língua Portuguesa seja realizado e desenvolvido integralmente verdadeiros cidadãos para atuarem de forma consciente na sociedade brasileira.   

Referências 
ANTUNES, Irandé. Neologismo. Criação Lexical. 3 ed. São Paulo: Editora Ática. 2007. 

ANTUNES, Irandé. Território das palavras: estudo do léxico em sala de aula. São Paulo: Parábola Editorial, 2012. 

BAGNO, Marcos. A norma oculta: língua e poder na sociedade brasileira.13.ed. São Paulo:Parábola, 2003.

BAKHTIN, Mikhail . Os gêneros do discurso (1952-1953). In.: Estética da criação

verbal. Trad. Maria Ermantina Galvão Gomes e Pereira. São Paulo: Martins Fontes,

1992. p. 277-326. 

BATTISTI, Elisa; OTHERO, Gabriel; FLORES, Valdir do Nascimento. Conceitos Básicos de Linguística: Sistemas Conceituais. São Paulo: Contexto, 2021.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018

CANALE, Michael. Michael and SWAIN, Merril. Theoretical bases of communicative approaches to second language teaching and testing. In: Applied Linguistics. Oxford: Oxford University Press, 1995, 1, pp. 1-25, 

CARVALHO, Nelly Medeiros de. O que é neologismo. 2. ed. São Paulo, SP: 

Editora Brasiliense, 1987. 

FERRAZ, Aderlande Pereira. A inovação lexical e a dimensão social da língua. 

In: SEABRA, Maria Cândida Trindade Costa de. (Org.). O léxico em estudo. 

Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 2016. p. 217-234. 

Tatiane Bandeira Peters
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Ensino de Línguas (PPGEL)

Esse texto é parte do dossiê “Relatos De Experiências E Divulgação Científica Na Formação Continuada De Professores De Línguas Na Pós-Graduação”. Você pode encontrar os outros textos aqui:

https://junipampa.info/educacao/ano-12-no-102-2024-relatos-de-experiencias-e-divulgacao-cientifica-na-formacao-continuada-de-professores-de-linguas-na-pos-graduacao/

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