Ano 12 Nº 045/2024 – Experiência em Comunidades Indígenas: Rio Cuieiras, comunidade Nova Canaã

Por Adriana Reis

“Pra lá de onde o vento faz a curva…”

“Sete horas de viagem em um barco? Muito tempo… esse lugar parece longínquo” …

São essas minhas primeiras reclamações depois de receber um convite para participar de um trabalho missionário em comunidades indígenas localizadas ao longo do rio Cuieiras. Nosso grupo, que vai empreender essa viagem de três dias, faz parte de uma comunidade religiosa em Manaus.

Não posso deixar de expressar que sempre desejei conhecer territórios indígenas e ter esse contato maior com eles, conhecer de perto sua cultura tão rica e diferenciada, então sem hesitar me comprometi a auxiliar nessas viagens.

Sou tão ávida nesses momentos de partida que normalmente não penduro minha rede no barco, prefiro estar atenta e aproveitar todo o percurso: curtindo o vento que balança as águas formando banzeiros; percebendo o quanto a embarcação se afasta da cidade e avança rio adentro, deixando para trás os burburinhos da cidade; interagindo com os colegas; tentando dar aquele descanso para a mente e refletindo sobre a realidade muito diferente que vamos vivenciar em algumas horas. Nesses momentos, eu, cálida, busco conforto para minha alma, faço um ato de renovação.

Desde o encontro com os companheiros no barco, tudo é novidade e motivação. Encontrar o povo arrumado em suas redes entrelaçadas dentro do espaço da embarcação para mim é muito divertido. Gosto de observar as crianças, os nativos daquela região, a simplicidade de suas vidas, que de maneira tão tranquila eles levam junto à natureza, fazendo ecoar a música “esse rio é minha rua, deito-me no chão da maré”. Somente quem conhece a Amazônia desconhecida e emerge em suas águas pode saber como é estar lá.

Ao me aproximar cada vez mais desta maravilha natural, vou deixando um mundo, sinto-me “viajante sem rumo, tenho agora minhas forças na mãe natureza, nas caboclas ribeirinhas, sou filha da Amazônia, em minhas veias também corre sangue das guerreiras”.

Gosto de recordar alguns encontros interessantes na embarcação, um bom lugar para conhecer pessoas, fazer amizades. Eu, particularmente, gosto de ficar em meu canto, mas sempre tem alguém que quando viaja com você faz você interagir melhor com os outros. No meu caso, meu irmão (não biológico), ele é como o mentor do trabalho da comunidade, e gosta de conversar com todos. Foi assim que conheci um alemão gente boa no barco. Apesar da minha dificuldade com inglês e alemão, consegui por meio de gestos e tentativa de falar inglês estabelecer um pouco de conversa com ele e saber o que ele estava fazendo para aquelas bandas. Ele reportou que ia passar um mês dentro das comunidades fazendo seu trabalho de pesquisa. Com ele ia seu intérprete que iria auxiliá-lo nessa empreitada.

Mas voltando-me à viagem naquele rio encantador, a chegada é um momento de consolação, pois a essa altura o cansaço começa a bater na gente. O nosso trabalho nessas comunidades não é extraordinário, mas se resume em conviver e viver como eles, fomentar o crescimento deles através de pequenos projetos, ser um sinal de esperança no meio deles, respeitando seu modo de viver, sua cultura.

Não consigo mensurar como é interessante estar em uma realidade tão diversa como a realidade indígena, seus costumes. Não por serem diferentes das outras pessoas, mas por eles viverem alegremente em seu lugar de aconchego e sossego à beira do grande rio.

Nossa chegada é acolhida com alegria pela família que nos recebe e lá nos acomodamos. Eu sou a fotógrafa do grupo, registro tudo. Da paisagem a qualquer cenário inspirador, estou sempre clicando. Um dos momentos que amo é a visita no final da tarde. Saímos pela comunidade, que não é muito extensa, e falamos com todos. Quando em nosso grupo vai alguém pela primeira vez, apresentamos à comunidade. Nessa visita, às vezes, ganhamos algumas coisas como verduras, frutas e o que eles têm, eles nos oferecem. É gratificante!

É muito estimada a família que nos acolhe, são da etnia Karapanã, uma das diversas etnias que habitam essa região, distribuídas em mais ou menos dez comunidades ao longo do rio Cuieiras.

Não sou capaz de explicar o fato de sentir-me tão à vontade em todos os momentos dessa missão, até para dormir, que no meu caso, passo a noite no barracão, que é o local onde fazemos tudo: as refeições, os encontros com o povo, os momentos de conversa e interação; todas as atividades acontecem nesse local, uma espécie de maloca. Alguns de nós, mais despojados, colocamos nossas redes e dormimos ali mesmo praticamente à beira do rio.

Gostaria que fosse possível uma narração detalhada desses momentos, mas destaco uma situação bem interessante que aconteceu em uma de nossas idas à Comunidade. Nesse dia, chegamos antes do final da tarde e encontramos várias pessoas diferentes no local. Estava muito animado e eu, como amante das artes visuais, notei, impreterivelmente, aquelas câmeras enormes e sofisticadas em cima da mesa. Isso já me intrigou de cara e me fez pensar: como pode isso? O que está acontecendo? E ao lado alguém me arranca da minha imaginação, em que eu sonhava com aquelas câmeras, exclamando: “Alegria, alegria!” Na hora não me veio à mente quem poderia ser, mas logo fomos apresentados a ninguém a menos do que para a equipe do Esporte Espetacular! Uau! Eu sem acreditar, mas a ponderar por aqueles equipamentos, menos não poderia ser. Logo me enturmei e tornei-me fotógrafa deles (risos). Há quem se pergunte o que eles faziam ali, e pense comigo como esse mundo é mesmo pequeno e tudo pode acontecer e mudar em milésimos de segundo, a resposta é significante e aquece ainda mais nossos corações por saber que dois filhos daquela família estão na seleção brasileira de arco e flecha, e a equipe veio a Manaus com eles fazer um documentário lá na comunidade. Os dois jovens moram há bastante tempo no Rio de Janeiro.

Não me considero uma narradora habilidosa, mas o que conto aqui está além de uma experiência, relato sobre a coisa mais fundamental da vida que está ligado ao ato de viver, porque antes de narrar foi vivido – em amizade, parceria, comunhão; e assim aproveito a oportunidade de fazer-me escriba deste contexto vivido, absorta a oportunizar mais a reflexão do que a escrita e oralidade.

A convivência com a diversidade é um aprendizado, isso me leva a resgatar de mim o sentido daquilo que vivi, senti e percebi vivenciando essas histórias e a consolidar em forma de texto. Sinto o peso da dificuldade de descrever esse percurso intenso e imenso, várias viagens ao mesmo local, mas cada uma descreve uma trajetória distinta, um aprendizado sem perceber que com o tempo fui construindo uma história, umas memórias.

¹ Música de Biquíni Cavadão.

²O Rio Cuieiras é um afluente do Rio Negro, localizado em sua margem esquerda, a 50 quilômetros de Manaus/AM.

³A Comunidade Maria Madalena, Apóstola, faz parte da igreja Anglicana.

⁴‘banzeiro’ é um termo regionalizado que se utiliza para destacar ou descrever quando o rio se movimenta e causa ondulações na água – Professor José Camilo, pesquisador e professor de geografia.

⁵ Música estilo carimbó, composição: Paulo André/Rui Barata.

⁶ Poemas da Amazônia, “Filha do Norte”, Francy Andrade.

Passeio pelo rio remando na canoa.
Barco dos moradores da comunidade Nova Canaã.
Embarcação parando para deixar moradores na comunidade.

Texto produzido como atividade do componente curricular Prática em Linguagem V, ministrado pela professora ministrado pela professora Clara Zeni Camargo Dornelles, no curso de Letras EaD da Unipampa em 2023.

Adriana Reis é estudante de Letras na Universidade Federal do Pampa e estagiária na Secretaria de Educação (Seduc). Apaixonada por música, tocar violão e cantar são suas atividades de relaxamento e expressão pessoal. Sua jornada é marcada pela busca pela excelência e realização pessoal, tanto na vida acadêmica quanto profissional.

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