Ano 12 Nº 025/2024 – Carta a um amigo suicida
Por Willians Barbosa
Carta a um amigo suicida
Faz 8 meses. Eu não escrevi nada desde então. Não sei o que vai sair daqui nem se vai sair algo. É estranho. Eu, que tanto gosto de escrever, passei esse tempo todo sem lhe dirigir nada. Por que será? Será que tô sufocando, esse tempo todo, tudo o que tenho pra dizer? Ou não tenho nada pra lhe dizer, afinal? Duvido muito, uma vez que considero você como meu melhor amigo, ainda hoje. Você me ensinou o que um verdadeiro amigo faz. Sempre atencioso; presente, mesmo que fisicamente não; interessado; alegre, ainda que com uma tristeza profunda dentro de si – ainda que com um sentimento de que nada disso aqui faz sentido.
Como Pitty canta: ‘’Escolheu deixar tudo aqui / Sumir daqui / Pra onde nem sei / Mas espero que sim’’. Onde você está? Está me ouvindo, me sentindo, agora? Por que, às vezes, te sinto tão presente, se nem religioso eu sou? Pois é, nosso cérebro sempre pode nos enganar. Não quero pensar que sim, nem que não. Quero deixar as possibilidades abertas. Você pode estar aqui, vagando; pode estar num inferno, ardendo; num limbo; num possível céu. Não importa. Tudo o que me importa é o que você deixou por aqui. Suas marcas nesse mundo, as mudanças que você operou em seu meio, suas pegadas na areia.
Agora você não está mais aqui. Precisamos aceitar o fato. Essa foi uma escolha sua (ou melhor, a falta de escolhas nessa vida tão injusta).
Nunca vou esquecer do momento em que recebi a notícia. A perplexidade. A culpa por não ter sido capaz de te impedir. O choro. A paralisia. A troca com nossos demais amigos, trocando lembranças ao lado do seu corpo. Nenhum deles podia acreditar no que estava acontecendo. Já eu fazia ideia de que, algum dia, isso poderia acontecer, portanto, já estava minimamente preparado. Mas doeu, doeu demais, que um dos nossos, tenha ido; que tenha sido tão massacrado pela vida alguém que poderia fazer uma revolução nesse mundo. Alguém que tinha a ousadia, a inteligência, a empatia, para fazer muito. E você fez, no final das contas.
Se eu não pensei em tomar o mesmo caminho? Você sempre soube que, quando fizesse isso, eu poderia me sentir encorajado a também fazer. No entanto, eu continuo segurando as pontas e continuarei segurando. Por enquanto, vou ficar sem saber o que há desse outro lado da vida, Gabriel. Mas espero que sua dor esteja passando. Não importa se você está agora batendo um papo com o diabo, se está por aqui pelo mundo físico nos rondando, se agora é só um corpo se decompondo. Você fez sua história nesse mundo e viveu até onde pode. Se alegre, meu amigo, se orgulhe por tudo o que você foi pra nós que ficamos.
Continuamos aqui, vivendo uma vida cujo sentido não temos a mínima certeza do que seja. Meio quebrados. Resilientes. Alguns loucos, inadequados. Perdidos, cheios de vícios e hábitos ruins. Obrigados a acordar a cada manhã e a se encarar no fim da noite. Ou vivendo na madrugada, fugindo à luz do sol e de companhias humanas. Todos humanos, todos falhos. Os que conviveram com você, pelo menos, podem saber que, no meio disso tudo, conheceram alguém excepcional. Alguém que sabia do caráter imprevisível da vida, que sabia curti-la ao máximo e, ao mesmo tempo, tinha algo de inábil e amador. Improvisava e não tinha certeza de nada, uma metamorfose ambulante. Em uma de nossas últimas conversas, eu lhe falei sobre essa sua característica e você respondeu que ‘’o show não pode parar’’.
Mas, então, você fechou as cortinas antes do fim? O público te ovacionou ao fim da performance? O show se encerrou em grande estilo, Gab’s, digno da curta vida que você teve. Essa palavra é, realmente, o termo que melhor define sua passagem por aqui, uma
bela peça improvisada cheia de emoções, frustrações, alegrias, amizades. Já você, um grande artista na arte de viver. Até no momento da morte, você não esqueceu dessa sua essência.
No amálgama entre destino e livre arbítrio, não poderia ter sido diferente sua decisão.
Você sempre estará aqui comigo. Você é, pra mim, uma grande inspiração.
Te amo pra sempre.
Willians Barbosa é jornalista e acadêmico do Curso de Letras Português e Literaturas de Língua Portuguesa. williansjardim48@gmail.com