Ano 12 Nº 006/2024 – Frango à pizzaiolo
Por Robin M. F.
Ele sabia o que acontecia quando as galinhas sumiam, não era um mistério para ele. Para muitos não era. As pintainhas e os pintinhos costumavam fazer todo tipo de teoria, se reuniam pelos cantos, coletavam provas infundadas e escreviam longos textos tentando comprovar suas teses, algumas galinhas continuavam com esses devaneios mesmo depois de adultas, não queriam aceitar a realidade.
Mas até que ele entendia aquela negação geral, sabia que não era uma coisa única de seu galinheiro, assistia essas falações na TV e na internet. Parecia que aqueles que conheciam o destino das galinhas desaparecidas mantinham um acordo silencioso de não abrir o bico, só conversavam sobre entre si, não podiam alarmar os gansos. Não era fácil mesmo pensar que a qualquer momento poderiam ser levados e virar o jantar de alguém, de outra espécie, a mesma espécie que cuidava deles, que os alimentava. O pessoal era meio fraco do coração, se parassem pra matutar muito, talvez explodissem.
Existiam grupos de fugas e grupos de revolta, se reuniam às escondidas, mas quem precisava saber, sabia onde encontrar. Alguns só queriam escapar, deixar para trás a fazenda, buscar onde moravam os outros fugitivos e nunca mais pensar em nada daquilo. Outros queriam lutar, se rebelar, não deixar que mais nenhuma galinha fosse levada, não deixar mais nenhuma se tornar frango. Entre os grupos rebeldes, muitos queriam acabar com o segredo, não viam sentido em deixar as outras na ignorância, sem ter noção de seu possível destino cruel.
Ele frequentava todos esses grupos, assistia todas as reuniões, acompanhava as fugas, tanto as fracassadas quanto as bem-sucedidas, até opinava nas assembleias dos rebeldes. Mas não fugia, não se rebelava, não tentava. Dava todo o apoio do mundo, mas não para si mesmo. Ele ficaria por ali mesmo e esperaria. Fazendo pizza.
Fazer pizza era sua grande paixão, não tinha nada que ele amasse mais, facilmente trocaria sua liberdade por poder continuar fazendo pizza. Diziam para ele que ele poderia continuar fazendo suas pizzas após a fuga ou a rebelião, teria mais tempo de vida e poderia fazer ainda mais pizzas, mas ele não ligava para a própria vida ou para o próprio tempo, ia sovando a massa sem se preocupar.
No entanto, se preocupava com todos os outros, fazia pizzas para as reuniões, para os rebeldes, para o abastecimento das fugas ou para qualquer um que pedisse, nem cobrava, só fazia. Eram pizzas de milho, de tomate seco com rúcula, de abacaxi, mas nunca de frango, galinha escabelada ou coração, essas eram proibidas e ele tinha uma luta própria contra elas, considerava um crime contra a pizza e contra as galinhas. Onde já se viu usar galinhas em pizzas? Aquilo enchia seu peito de raiva, de ódio, era um dos motivos de participar dos grupos rebeldes. Não tolerava que tal coisa existisse. Financiava o movimento com seu salário da pizzaria.
Numa manhã comum, ele fazia suas pizzas, abria a massa, passava o molho, montava o recheio. E foi em uma dessas manhãs que vieram buscá-lo, ele estava bem grande, perfeito para o almoço das visitas. Atravessaram o galinheiro e o pegaram, ele nem lutou, só ficou triste de não ter conseguido colocar a última pizza no forno.
Todos do galinheiro assistiram chocados. Revoltada, uma das colegas de reunião decidiu que não aguentava mais, começou a cacarejar, contou tudo, espalhou a verdade aos berros. Os pintinhos conspiradores saíram de seus cantos, os ignorantes se reviraram, alguns até desmaiaram. Nunca nada mais foi como era antes.
Estudante de Letras – Português e Literaturas de Língua Portuguesa na UNIPAMPA, cresceu lendo fanfics e buscar trazer mais valorização para o gênero. Secretamente todos os seus textos são escritos pela sua gata, Mel.