Ano 11 Nº 064/2023 – Explorando o universo juvenil: uma análise crítica de Doce Paraíso, de Sergio Faraco
Por Eduarda Severo
Doce Paraíso é uma coletânea de contos escrita pelo gaúcho Sergio Faraco. Publicada pela primeira vez em 1987 pela editora L&PM, a obra lança luz sobre temas que são tabus no universo adolescente, até os dias de hoje.
Fonte: L&PM Editores
Sergio Faraco nasceu em 1940 na cidade de Alegrete, no interior do Rio Grande do Sul. Ele é considerado um dos mestres da ficção nacional, com mais de quarenta anos de carreira e vinte livros publicados. O autor viveu na antiga União Soviética entre os anos de 1963 e 1965, onde cursou Ciências Sociais. De volta ao Brasil, bacharelou-se em Direito. Sua estreia na literatura ocorreu no início da década de 70, com a publicação do conto Idolatria (1970).
Fonte: Jornal do Comércio (2018)
Doce Paraíso foi lançado nos anos seguintes à ditadura militar brasileira, momento em que o país passava por um processo de redemocratização. Nesse contexto, a literatura nacional passava por mudanças significativas, com a abertura para temáticas mais contemporâneas. No que diz respeito à produção literária infantojuvenil, houve uma inversão nos conteúdos tradicionalmente abordados. As narrativas contestadoras emergiram, tratando de temas como pobreza, marginalidade, preconceito e autoritarismo, com o cenário urbano ocupando um espaço central. Além disso, ocorreu uma ruptura com a imagem da criança exemplar, antes retratada como passiva e obediente. Em seu lugar, surge a figura da criança capaz de romper com a normatização do mundo adulto.
O livro de Faraco é destinado ao público juvenil, pois trata-se de uma fase em que há um despertar para temas que envolvem a sexualidade adolescente. Desse modo, por meio de uma linguagem sincera, o autor fala sobre sexo e inocência, sobre a morte e o amor, sobre o prazer e o sofrimento – temas que ainda são cercados por tabus.
Segundo Zilberman (1990), é através da adaptação que o autor consegue estabelecer uma comunicação com o leitor infantil e juvenil. Dessa forma, é necessário realizar adaptações nos diferentes níveis do texto para esse público: no assunto, no modo, no meio e no estilo.
Ainda conforme Zilberman (1990), a adaptação do assunto é fundamental para que o escritor rompa com a distância em relação ao leitor, permitindo que ele tenha uma conexão emocional com os personagens. Em relação a coletânea de Faraco, as temáticas, sobretudo a sexualidade, que ocupa papel central na obra, são abordadas a partir da perspectiva de quem as está percebendo pela primeira vez e ainda não foi influenciado pelos preconceitos que as permeiam. A sexualidade adolescente é explorada tanto em relação à descoberta de si mesmo quanto à descoberta do outro e como as relações sexuais podem ser utilizadas como uma arma de opressão e que, muitas vezes, o abuso manifesta-se de forma sutil.
Por isso, notamos que os textos não possuem um caráter moralista, ou seja, não se tem a intenção de doutrinar, mas há certa limitação, mesmo que não tão restritiva, na forma como os temas são tratados, além de como são descritos os acontecimentos nas narrativas. Isso se dá porque as vivências e as experiências do leitor são limitadas.
Já em relação à adaptação da forma, convém destacar que a coletânea é composta por textos curtos, alguns narrados em primeira pessoa, o que possibilita uma maior conexão com o personagem principal, e outros em terceira pessoa. Acerca dos aspectos estruturais, temos a predominância do enredo linear e muitos diálogos. Em determinados contos, Faraco consegue criar momentos de tensão e suspense, mantendo o leitor engajado.
Por fim, de acordo com Zilberman (1990), é necessário que o vocabulário e a formulação sintática não excedam o domínio cognitivo do leitor. Esse princípio se aplica à obra Doce Paraíso, que embora apresente palavras e expressões típicas do sul do Brasil, as quais são incomuns a adolescentes de outras regiões do país, utiliza em sua maioria uma linguagem acessível ao público-alvo. Isto é, uma linguagem objetiva, com uma estrutura sintática relativamente simples e que carrega aspectos da oralidade.
Outra questão que merece destaque na ficção, refere-se ao imaginário juvenil. Sob essa perspectiva, percebemos nos contos o processo de experimentação e de criação de vivências por meio da imaginação e, sobretudo, da curiosidade. Apesar de haver um realismo marcante nas narrativas, há momentos em que o imaginário se mistura com a realidade, criando situações metafóricas que refletem as percepções dos protagonistas. Tais processos são acompanhados do ato de brincar que, por vezes, funciona como elemento que permite a descoberta sobre questões da sexualidade.
Os diferentes enredos da obra passam principalmente no cenário urbano, com várias menções que nos levam a crer se tratar da cidade de Porto Alegre. Isso, segundo Zilberman (2019), é uma das características marcantes da literatura juvenil, isto é, o fato de que a ação transcorra em espaço urbano conhecido (ou ao menos, nomeado), remete às obras classificadas como literatura juvenil à categoria do realismo, afiançando sua identidade. Dessa maneira, são mencionados lugares, como a Restinga, bairro da zona sul da cidade, e objetos característicos da cultura gaúcha, que inserem o leitor dentro das ambientações.
A linguagem também é um recurso que estimula o imaginário dos adolescentes, pois é criativa, com jogos de palavras e trocadilhos. Tal forma de escrita contribui para a criação de imagens mentais e para o envolvimento emocional com as histórias.
De acordo com Vigotski (2009), toda criação imaginativa é sempre construída a partir de elementos retirados da realidade e presentes na experiência anterior da pessoa. Sendo assim, tais questões refletem o pensamento e imaginário juvenil, permitindo aos jovens se conectarem com as narrativas e personagens presentes em Doce Paraíso.
Diante da análise realizada, podemos concluir que Doce Paraíso é uma obra que aborda temas fundamentais para a formação do público juvenil. Por um lado, rompe com a assimetria entre emissor e recebedor, por intermédio da adaptação. Por outro, possibilita o reconhecimento com as situações e vivências narradas, o que conforme Zilberman (2019), é uma característica da literatura destinada a adolescentes, visto que os personagens eleitos espelham o leitor e representam suas aspirações e problemas existenciais.
Logo, Doce Paraíso é uma obra autêntica e que consegue atrair não só o leitor adolescente, mas também o adulto. Portanto, é inegável a sua qualidade e importância para a literatura brasileira.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
FARACO, Sergio. Doce Paraíso. 2. ed. Porto Alegre: L&PM, 2008. ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo: Global, 1990. VIGOTSKI, Lev. A literatura infantil na escola. São Paulo: Ática, 2009.
ZILBERMAN, Regina. Leitores e leitoras jovens – uma literatura toda sua. Goiânia: Cânone Editorial, 2019.
FALCÃO, Adriana; CARNEIRO, Flávio; LACERDA, Rodrigo. A literatura juvenil brasileira no início do século XXI: autores, obras e tendências. Porto Alegre, 2019. Disponível em: https://www.scielo.br/j/elbc/a/Frg9RcVgSq3Y3zvR3rHdgVB/?lang=pt. Acesso em: 3 jun. 2023.
Eduarda Machado Severo, graduanda em Letras – Português e Literaturas de Língua Portuguesa. Atualmente é bolsista no Programa Institucional de Iniciação à Docência (PIBID) e integrante do grupo de pesquisa Autores Africanos/Leitores da Produção Literária Brasileira.