Ano 11 Nº 022/2023 – Uma formação persistente
Por Anthony Colares
Logo que ingressei na jornada de me formar um professor, em meu primeiro ano, tive a oportunidade de dissertar em uma apresentação acadêmica sobre as fronteiras de constituir-se um professor, especificamente, na área de linguagens. Quando ponderei isso pela primeira vez, há mais de cinco anos atrás, não havíamos ainda sequer concebido a ideia de uma grande epidemia nos assolar e as consequências que ela poderia trazer a toda humanidade.
Hoje, vejo irmãos de profissão, desmerecidos, desprezados, receosos, apavorados. Vemos sangue tingindo o chão e paredes de salas de aula, um medo e uma raiva tão dantescos que suas presenças nos noticiários e redes sociais fazem alunos e professores buscarem coragem no fundo de seus corações para voltar a uma rotina normal, sem saber se ao que estavam acostumados é de fato o certo. Então, caso estejam perguntando qual a solução para isso, só posso dizer que a resposta não é fácil. Tampouco temos respostas e recursos para obtê-las.
Acredito que, neste momento, o que mais pode nos ajudar é pensar nos problemas que sempre existiram e que agora deixaram de ser um regato de irritação para tornar-se uma represa de raiva e revolta no coração de cada criança, cada adolescente que entra pelas portas da sala de aula. Mais do que nunca, vemos uma população ansiosa, depressiva e completamente deprimida. Não podemos acusar o medo no futuro, este sempre existiu, nossa problemática tem residido no ócio de não tratar sobre questões muito mais complexas do que eram antes. Com uma população que insiste em ignorar as emoções como se estas não levassem a insanidades cruéis e catastróficas.
Não deveria a escola ser um centro de convivência e aprendizado geral? Não deveria ela nos instruir sobre as questões que mais afetam negativamente a vida humana? Não estão as consequências destas negligências de décadas batendo a soleira das instituições de ensino? Ceifando esperança, coragem, compaixão e empatia? Não está mais do que na hora de aceitarmos nossas limitações humanas e começarmos a planejar um futuro em que o medo e a insegurança não estirpe tão facilmente os sonhos e desejos de nossos alunos?
Nossas culturas e crenças em geral nos inclinam a dizer para sermos estoicos com relação ao mal que nos assola, seja este exterior ou interior a nós. Pregam que resistamos a todo mal e crise passada, como se não fosse sangue que corresse em nossas veias. Alguns de nós conseguimos triunfar sobre estes discursos, mas podemos nós, professores, conjurar ideias tão pouco empáticas na mente de jovens que agora entendemos serem singulares e não parte de um rebanho como a geração tecnicista os tratava?
Acredito que, como educadores, precisamos enxergar indiscriminadamente a realidade em que vivemos e as necessidades que precisam ser atendidas. Com a situação que estamos enfrentando torna-se extremamente necessário buscar temas que por muito tempo foram ignorados e tiveram sua relevância negada e abordá-los de forma significante e eficiente. Talvez não seja fácil encontrar uma forma para fazê-lo, mas não podemos continuar a nos dar o luxo do ócio, agora há muito mais do futuro em jogo do que jamais houve. Precisamos assumir a responsabilidade que nos é incumbida no momento em que fazemos nosso juramento solene e zelar por uma orientação humana e que ampare de forma flexível cada aluno em sua individualidade. Mais do que nunca devemos questionar os valores que tão irregularmente solidificaram a imagem do que incumbe um professor da educação básica, que é ser um orientador do processo de tornar-se um cidadão preparado para lidar com seus medos e dificuldades de forma saudável.
Findando este texto, peço aos meus irmãos e futuros companheiros de profissão que reflitam sobre o momento em que estamos passando e que o que nos impulsione para frente sejam nossos objetivos e ideias de construção pessoal, e não as chances de sucesso, pois, se há uma coisa certa na jornada de tornar-se um professor, é de que não é um caminho sem desafios.
“Esta é a coluna do PET-Letras, Programa de Educação Tutorial do curso de Letras – Português e Literaturas de Língua Portuguesa, do campus Bagé. O programa, financiado pelo FNDE/MEC, visa fornecer aos seus bolsistas uma formação ampla que contemple não apenas uma formação acadêmica qualificada como também uma formação cidadã no sentido de formar sujeitos responsáveis por seu papel social na transformação da realidade nacional. Com essa filosofia é que o PET desenvolve projetos e ações nos eixos de pesquisa, ensino e extensão. Nessa coluna, você lerá textos produzidos pelos petianos que registram suas reflexões acerca de temas gerados e debatidos a partir das ações desenvolvidas pelo grupo. Esperamos que apreciem nossa coluna. Boa leitura”.
Anthony é graduando do curso de Licenciatura em Letras – Português e Literaturas da Língua Portuguesa da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA/Campus Bagé-RS). Atualmente está no 8º semestre. Em 2019, ingressou como bolsista no Programa de Educação Tutorial – PET Letras/Bagé. Nesse projeto, desenvolveu pesquisas sobre movimentos de resistência na educação brasileira e também de análise de personagens de literatura clássica a partir da perspectiva da Análise do Discurso. Suas áreas de interesse são os Estudos da Literatura, Literatura Clássica, Análise do Discurso, Poesia e Escrita.