Ano 09 nº 048/2021 – Circus Horribilis Brasilis: Parte 1 – A escravização negra e a dizimação indígena
Por Cesar Jacinto
Imagem disponível em https://observatorio3setor.org.br/noticias/indios-e-negros-massacrados-no-brasil/. Acesso 14/04/2021.
Começo a narrar as histórias deste Circus Horribilis Brasilis analisando, de um ponto de vista crítico, como este país foi invadido, colonizado e explorado. Para tanto, é necessário, não só tratar da forma como se formaram elites privilegiadas, mas também refletir sobre como se constituíram as desigualdades sociais no decorrer dos séculos.
A escolha pelo circo de horrores faz referência a um tipo de espetáculo muito comum até as primeiras décadas do século XX, quando a exposição de pessoas deformadas era a atração principal de circos e outros “eventos sociais”. Vamos, então, ao triste e lastimável primeiro “espetáculo” da série Circus Horribilis Brasilis.
O começo, de um lado, homens, mulheres e crianças capturados do continente africano, transportados em navios sem a mínima condição de higiene, alimentação deficiente e, posteriormente, vendidos como escravos e mantidos nessa situação oficialmente durante cerca de trezentos e cinquenta anos; do outro, a dizimação dos povos indígenas com a chegada dos portugueses ao Brasil – aliás, povos invisibilizados até a atualidade.
Em um passado não muito distante, uma ameaça fantasma começava a se transformar em realidade: uma terrível invasão dos territórios das Américas e do Brasil por europeus, chamada por muitos, inclusive por historiadores, de “descobrimento” – causalidade ou coincidência ao se retirar do contexto a intencionalidade?
A última década do século XV marca definitivamente a construção, por países europeus como Portugal e Espanha, de navios capazes de fazer a volta ao mundo. Com o comércio crescente do Ocidente buscando especiarias no Oriente, a Europa expandia seus negócios. Em 1492, colonizadores espanhóis invadem a América e, em 1500, portugueses invasores chegam ao Brasil, mais precisamente ao estado atual da Bahia.
A partir das primeiras décadas do século XVI, se estabeleceria uma nova rota com um “novo produto” que resultaria na riqueza de poucos e formaria as primeiras elites, principalmente no Brasil. Aproveitando-se da diversidade dos povos africanos e de suas diferenças políticas, estes europeus invadiram partes do continente-mãe para capturar pessoas negras, obviamente, que, segundo a Igreja Católica – atuando com seu poder de Estado -, não possuíam alma e, portanto, poderiam ser escravizadas para fins de purificação, pois eram consideradas “animistas” e “fetichistas”. Para a Igreja Católica, os negros e negras eram desprovidos da pureza dos brancos cristãos – como podem pessoas ditas seguidoras de Deus cometerem tamanha atrocidade em nome do sagrado?
Enquanto africanos eram comercializados nas praças públicas, para comporem a mão-de-obra escravizada do período colonial brasileiro, da cana-de-açúcar no Nordeste ao Ciclo do Ouro em Minas Gerais; povos indígenas eram dizimados pelos assassinos colonizadores. O invasor pintado como homem branco bondoso, na realidade, se configurou em bandido e mercenário travestido de mocinho a serviço da Coroa Portuguesa. Aqui aparecem os primeiros sinais de violência legitimada pelo Estado em terras tupiniquins.
Este processo que dizimou indígenas e escravizou africanos é, na realidade, a primeira “sessão” do circo de horrores instalado nas terras brasileiras. E, hoje, podemos – devemos? – analisar esta primeira sessão sob a perspectiva de que o homem branco bondoso procurou subalternizar outras culturas, tornando-as apagadas, invisibilizadas ou, até mesmo, depreciadas. Infelizmente, no decorrer dos tempos, este espetáculo macabro sempre teve seu público fiel: espectadores influentes na sociedade vêm permitindo que esta barbárie perdure até os dias atuais, se reproduzindo em suas mais nefastas manifestações. Certamente, estes espetáculos só merecem o nosso repúdio e indignação.
Até o mês que vem, com mais uma sessão deste Circus Horribilis Brasilis!
César Jacinto é professor, graduado em Pedagogia pela UERGS, com especialização em Diversidade Cultural e Mestrado em Ensino pela Unipampa – Campus/Bagé-RS. Escritor, cronista e pesquisador da História e Cultura Afro-brasileira e militante do Movimento Negro.