Ano 08 nº 115/2020 – Bagé tem Instituto centro de referência em sustentabilidade: IPEP – Instituto de Permacultura e Ecovilas da Pampa

#TBT

Neste mês, estamos comemorando os oito anos do lançamento do Jornal Universitário do Pampa (Junipampa), e não daria para ser completa esta comemoração sem lembrar da Marilaine Castilhos, que foi a primeira editora do Junipampa, e da Nilda de Souza, a primeira designer e programadora, criadora do site e muito mais. Ainda, nos bastidores deste TBT, a cuidadosa revisão da Jociele Corrêa, nossa primeira revisora. Homenageando vocês, homenageamos todas as demais que faziam parte da equipe em 2012: Bruna Xavier, Greice Kelly Jorge, Joana D’Arc Camargo Borges Acosta, Mara Abatti, Mariane Rocha e Giovani Andreoli. A memória nos constitui enquanto grupo. Vocês ainda são parte desta equipe!

O aniversário é do Junipampa, mas quem ganha são nossas leitoras e leitores, porque o texto compartilhado continua mais atual do que nunca. Trata-se de uma entrevista realizada pela equipe do Junipampa com João Rockette, coordenador do IPEP – Instituto de Permacultura e Ecovilas do Pampa. Entre os subtemas comentados por Rockette está o da falta d’água, um dilema mundial, e da problemática bajeense da barragem. Como esta reflexão pode colaborar hoje? A resposta é com vocês!

Bagé tem Instituto centro de referência em sustentabilidade: IPEP – Instituto de Permacultura e Ecovilas da Pampa 

Por Marilaine Castilhos, então bolsista do Laboratório de Leitura e Produção Textual e acadêmica do curso de Licenciatura em Letras;  Nilda de Souza, então bolsista do PIBIC e acadêmica do curso de Licenciatura em Letras e Jociele Corrêa, então professora da rede municipal de ensino.

A falta d’agua é apontada como um dos grandes problemas do século XXI. Dados da 4ª edição do Relatório de Desenvolvimento Mundial da Água, denominado “Gerenciando a Água sob Incerteza e Risco”, da Organização das Nações Unidas (ONU), apontam que se nada for feito, o mundo será afetado de forma drástica pela falta d’agua. Segundo o documento, a demanda por água procede basicamente de quatro atividades: a agricultura, a produção de energia, os usos industriais e o consumo humano. A agricultura e a pecuária fazem uso intensivo de água. Somente a agricultura responde por 70% da quantidade total de água utilizada pelo conjunto de atividades agrícolas, municipais e industriais (incluindo a produção de energia).

 

Em Bagé esse problema já é real. A população, nesse ano de 2012, permaneceu por mais de 240 dias (oito meses) com um corte no abastecimento de 12 horas diárias. A escassez da chuva fez com que as barragens fossem esvaziando e, sem haver outro meio de abastecimento para a cidade, a solução foi realizar o corte, na tentativa de conscientizar a população e evitar o desperdício de água.

 

Logo, torna-se latente, nos dias de hoje, a necessidade do despertar para uma consciência ambiental e a sustentabilidade. Pensando nisso, fomos entrevistar o coordenador do IPEP – Instituto de Permacultura e Ecovilas da Pampa, cuja sede localiza-se em Bagé, RS. O IPEP foi fundado em julho de 2000, por João Rockett em parceria com a PAL – Permacultura América Latina, onde mantém o centro de Referência em Permacultura e Sustentabilidade. 

O Instituto tem experiência reconhecida nacional e internacionalmente no desenvolvimento de tecnologias e soluções nos eixos água, alimento, habitação e energia. São realizados cursos, pesquisas e ações demonstrativas em várias regiões e cidades do Brasil, Índia, Moçambique, Argentina e Uruguai. As atividades realizadas através desses eixos têm como espinha dorsal o desenvolvimento de uma consciência mais ampla no que tange o homem em seu meio, nas relações com outros seres humanos e com toda vida sustentada pelo planeta. Dessa forma, são propostas ações práticas e cursos de capacitação, alternativas para uma forma de vida mais integrada com a natureza.

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João Rockett, Coordenador do IPEP.

Foto: Acervo LAB

JUNIPAMPA: O que é permacultura e qual o principal objetivo do IPEP? 

 

João Rockett: A permacultura é uma palavra que não existe no dicionário, ela vem da união das palavras ‘cultura’ e ‘permanente’. Ela foi criada por Bill Mollison, no final da década de 70. A permacultura é um sistema de design interdisciplinar para criar comunidades humanas sustentáveis relacionada aos aspectos água, energia, habitação, pessoas, animais de maneira a utilizar o  espaço, tirando o máximo de proveito e mínimo de espaço. O IPEP é um centro demonstrativo em permacultura que tange/visa a sustentabilidade. O instituto está em expansão no país e em outros países, formando pessoas e dando consultoria.

JUNIPAMPA: Quando e como foi criado o IPEP e como funciona o seu gerenciamento?

 

João Rockett: Foi criado em 2001, por um grupo de pessoas. Eu fui convidado para compor a rede brasileira de permacultura pela Permacultura América Latina (PAL), onde se localiza na Amazônia, no cerrado, na Mata Atlântica e no Pampa. Ou seja, o objetivo era montar um centro de referência.

 

JUNIPAMPA: No site do IPEP consta que o instituto tem experiência reconhecida nacional e internacionalmente no desenvolvimento de tecnologias e soluções nos eixos água, alimento, habitação e energia. Poderias nos falar um pouco dessa experiência e das principais ações do IPEP em cada um desses eixos?

 

João Rockett: No eixo água temos várias ações sendo desenvolvidas pelo IPEP. Aqui no estado, formamos mais de 185 técnicos que receberam cursos sobre cisternas e manejo sustentável de água. Também trouxemos o apoio da Embaixada da Itália para implantar oito cisternas  e sistemas de banheiro seco nas escolas dos assentamentos da Hulha Negra. No Fórum Social Mundial, o qual aconteceu de 2002 a 2005, participamos no projeto “Caminho das Águas” financiado pela PETROBRAS. Também capacitamos centenas de pessoas em manejo sustentável de água no Vale do Jequitinhonha (…)

Com relação ao eixo habitação, temos como exemplo as construções com a técnica superadobe e os telhados verdes. O telhado verde foi implantado no Fórum Social em 2005, quando foi construída uma área com mais de 1600m². Fomos convocados para construir prédios com telhados verdes e paredes com fardo de feno, o que proporciona uma redução de oito a dez graus de temperatura de diferença do espaço interno para o externo. Esses prédios foram construídos para alojar os participantes do fórum, assim como também mostrar a possibilidade da construção de um espaço com materiais diferentes e sustentáveis para a economia de energia. Hoje o telhado verde já é uma realidade, por isso que eu digo que a permacultura difundiu muito essas tecnologias para o Brasil e para o mundo. Um exemplo é a técnica superadobe: Uma proposta de uma casa popular, toda em terra e de baixo custo, com a terra tirada do próprio lugar. Essa técnica parte de uma visão que não podemos construir a mesma casa que é construída na Amazônia aqui no Sul. Ou seja, não tem como, os climas são completamente diferentes, em nível de umidade e de temperatura. É por isso que eu falo que temos que ler a paisagem, como as pessoas se organizam, como são as construções e como se configura o ambiente natural para podermos fazer o planejamento a partir daí. Precisamos saber como as pessoas vivem no lugar porque senão o que ocorre é o que chamamos de transferência de  tecnologia, realizam-se ações sem levar em conta a configuração da comunidade local (…)

Os eixos água, energia, habitação, alimento trabalham em rede, porque os problemas que estamos vivendo no planeta têm relação com a questão da desconexão entre os eixos, afetando tanto o meio rural quanto o urbano. No caso do telhado verde, ele possui duas vantagens: a redução da temperatura e a absorção de água. Ele absorve até 75% da água da chuva e, depois que se encontra saturado, ele escoa essa água gradativamente. Isso não é uma opinião, isso são dados técnicos, são soluções que podem ser adotadas por todos. 

Outro exemplo de um sistema que é divulgado como benéfico para a população são as fossas sépticas, que verdade não são sépticas, e a Caixa Econômica Federal segue financiando essas construções com esse sistema. Elas não são sépticas porque não realizam o tratamento. Já existe um sistema de filtro biológico implantado em vários locais aqui no Brasil e no Uruguai. Esse sistema trata a água, que por sua vez, sai limpa e sem coliformes fecais. O país possui tecnologias para isso, o que tem que acontecer é divulgar mais essas propostas, parar de formar as pessoas da mesma maneira, reproduzindo sistemas que já não atendem mais às necessidades do planeta. (…)

No eixo energia temos o exemplo da utilização de energia eólica, aquecedor de solar de baixo custo, feito de PVC. Além disso, temos uso de óleo de cozinha como combustível. Em São Lourenço, por exemplo, há  um caminhão de lixo que utiliza esse sistema alternativo para o seu funcionamento (…)

Já no eixo alimentação podemos citar as sementes Bionatur, sementes agroecológicas. As sementes Bionatur fazem parte de um projeto implantado por mim em 1996, cuja finalidade é empoderar os agricultores de assentamentos na coleta de semente orgânicas e, assim, multiplicar sementes. Esse projeto teve uma repercussão internacional.

É importante ressaltar que realizamos muitos cursos pelo Brasil inteiro e também consultoria em projetos particulares, como por exemplo o Exército na Amazônia. Aqui em Bagé não há muita receptividade. Inclusive, a prefeitura nunca foi visitar o IPEP.

 

JUNIPAMPA: Dados da ONU apontam que, se nada for feito, a falta d’agua será um dos grandes problemas que acometerá no mundo o século XXI. Segundo esses dados, a demanda por água procede basicamente de quatro atividades: a agricultura, a produção de energia, os usos industriais e o consumo humano. No caso de Bagé, que a falta d’agua já é um problema real, como vocês veem esse problema? Que tipo de contribuição a permacultura poderia trazer para ajudar a resolvê-lo?

 

João Rockett: A falta de água em Bagé é falta de manejo de água, porque todos os açudes, rios e mares ao longo dos anos vão sendo assoreados*. Essa barragem que abastece a cidade já baixou mais de dez metros, ou seja, ela foi assoreada mais de dez metros e está com menos da metade da capacidade. Não precisávamos de outra barragem, o que precisávamos era afundar a barragem que já temos, mas essa medida não serve porque o que dá ibope mesmo é fazer uma obra de não sei quantos milhões. As pessoas não enxergam isso. Por exemplo, as cheias em Bagé foram resultado de assoreamentos no rio. A sorte é que houve um secretário de meio ambiente que percebeu isso. Eu cheguei ao ponto que desistir de falar, pois realmente não há um interesse em resolver o problema. As pessoas não querem isso. Primeiro, porque que eles têm um estado de burrice crônica. O que as pessoas querem é trazer a Globo aqui e dizer que a nossa seca é violenta, com falta d’água 17h por dia para, dessa forma, poder aprovar um recurso para fazer uma mega barragem, quando na verdade é preciso só afundar a barragem que já temos porque todo mundo no campo faz isso. Passado alguns anos tu pega teu açude e afunda teu açude. Essa barragem que abastece a cidade tem uma lavoura de soja acima dela, obviamente ocorre carreamento de terra para dentro dela. E nós estamos falando de uma barragem que foi construída há anos. Era só ter dado uma manutenção quando tivemos o pico da seca (…)

O problema de água no mundo realmente é um problema sério. A cada 20 segundos morre uma criança decorrente de algum problema relacionado a água. Hoje, 80% dos leitos hospitalares estão ocupados com pessoas que tiveram algum problema com água. Então, o problema da falta d’água é crônico. Para nós, coletar água da chuva não é um estado de pobreza, é um estado de inteligência, de logística. Nós mandamos um projeto para ser avaliado pela embaixada da Austrália que tinha por objetivo construir cisternas nos assentamentos de Hulha Negra e Candiota, porque nós sabíamos que eles têm uma outra logística com relação à água.  Nossa justificativa para o projeto foi de que as crianças estavam bebendo água de poços contaminadas por coliformes fecais. O projeto foi aprovado e hoje existem 260 cisternas construídas e logo teremos 400. Em Bagé nós fizemos cisternas em quatro escolas porque fomos contratados pela FAL. Com muito custo, pois não queriam financiar esse projeto. Nós achávamos que a prefeitura iria implantá-lo, que a gente ia começar a multiplicar na periferia, onde tem pouca água, mas não foi o que aconteceu.

JUNIPAMPA: O que as pessoas devem fazer para participarem das ações e cursos de capacitação do IPEP? Quais são as ações em andamento?

 

João Rockett: Nós estamos dando uma capacitação em uma escola agrícola Chequer Buchaim, em Camaquã. Fazemos mutirões para algumas atividades que as pessoas querem aprender. Nesse momento, estamos buscando recurso para a construção de um auditório na sede do IPEP, o qual permitirá a ampliação das nossas atividades. Também temos a ideia de montarmos uma pequena ecovila, no IPEP, inclusive para alunos da UNIPAMPA. Ecovilas são protótipos de casa, todas ecológicas. Os alunos pagariam um pequeno aluguel e morariam em um ambiente que tem uma lógica de sustentabilidade, pensando principalmente nos alunos da área de engenharia. E, dessa maneira, aproximar essa realidade da universidade, desenvolvendo não só cursos, mas também produtos. Por falar nisso, um exemplo de produto são as geodésicas, que podem servir de galpões.

JUNIPAMPA: Na página do IPEP no Facebook há várias fotos, como por exemplo fotos de Ocas e de construções pelo Brasil e no Uruguai (Geodésico Frequência). No caso das ocas, onde foram construídas? E o que é um Geodésico Frequência? 

João Rockett: Geodésico é uma doma, esférica em gomo, como a bola de futebol. Segundo um grupo de estudo dos Estados Unidos, essa é a forma mais rápida, fácil e barata de fechar um espaço. Como há pequenas peças que se juntam, ela cria uma grande resistência e podem ser usadas madeiras finas, para ocupar um lugar grande, em que em uma construção normal teria que usar vigas e etc. Achamos que para o curso de engenharia da UNIPAMPA seria muito interessante que os alunos tivessem contato com essa realidade. No caso da Geodésica que tem uma fórmula de cálculo e de frequência, entender isso na prática é muito importante. Além disso, a geodésica é a forma mais resistente a ventos, pois quando eu tenho uma esfera o vento incide sobre essa esfera, a força toda vai para base.

* Assoreamento é o depósito de sólidos no leito dos rios.

Por Marilaine Castilhos, então bolsista do Laboratório de Leitura e Produção Textual e acadêmica do curso de Licenciatura em Letras;  Nilda de Souza, então bolsista do PIBIC e acadêmica do curso de Licenciatura em Letras e Jociele Corrêa, então professora da rede municipal de ensino.

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