Coluna da Taiza

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Por Taiza Fonseca

Olá, novamente, é um prazer reencontrá-los neste espaço! Como prometido em nosso último encontro, voltaremos a conversar sobre questões políticas e educacionais.

Antes de começarmos a entrar nesse debate, gostaria de introduzir uma experiência pessoal durante minha formação acadêmica, um projeto que foi desenvolvido em meu primeiro Estágio no Ensino Fundamental, em uma turma de 7° ano, na disciplina de Português, com um olhar para o Letramento Literário no primeiro semestre de 2018.

O projeto intitulado ‘’Refletindo sobre estereótipos de gênero a partir da leitura de textos literários em sala de aula’’. Um dos textos base escolhidos para introduzir tal reflexão foi o clássico conto de fadas da Disney: A Branca de Neve e os Sete Anões. Uma das propostas iniciais foi que os alunos analisassem alguns personagens centrais, do ponto de vista estético e comportamental, bem como a Branca de Neve, o Príncipe e a Madrasta. A partir disso, alguns questionamentos foram feitos aos estudantes:

Como a personagem Branca de Neve é descrita no conto? Como é o seu comportamento? E por quê?

Como é o comportamento do Príncipe, assim que ele chega à narrativa?

A partir desses breves questionamentos surgiram diversas questões levantadas pelos próprios alunos após a leitura, por exemplo, as razões de Branca de Neve ser considerada bonita, comparando inclusive com outras princesas do universo da Disney, que também são marcadas pelos mesmos estereótipos, pele branca, magras e em sua maioria com o comportamento marcante na delicadeza; ou pelos mesmos sonhos, como o casamento.  Neste primeiro momento do projeto, os alunos já estavam questionando a falta de representatividade na diversidade da beleza feminina e seus comportamentos e sonhos.

No que diz respeito ao príncipe, que chega à narrativa quando Branca de Neve foi envenenada por sua madrasta, um dos maiores questionamentos levantados pelos alunos foi o comportamento do Príncipe, de beijar a moça enquanto ela estava desacordada, caracterizando um beijo sem consentimento, o que nas próprias palavras dos alunos seria uma forma de assédio.

Todos esses questionamentos e impressões da leitura foram colocados na primeira proposta de escrita, um texto de opinião a respeito da obra, sob o olhar desses aspectos, o que culminou em reflexões como racismo, preconceito e falta de diversidade:

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(Foto: Trecho da produção de texto de opinião de um aluno da turma 71.)

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(Foto: Trecho da produção de texto de opinião de uma aluna da turma 71.)

 

Em um segundo momento dessa prática, os alunos leram a crônica “Respeito muito o homem que chora’’, da autora Clarice Lispector. Foi discutido pelos alunos após a leitura como a construção da masculinidade pode ferir atitudes meramente humanas e que não são comportamentos exclusivos femininos, por exemplo, o ato de chorar. Muitos alunos relataram que já tinham escutado que ‘’homem que é homem não chora, não pode ser sensível’’, e dessa forma, a partir da leitura e discussão acerca do texto, puderam refletir sobre como os homens, muitas vezes, reprimem seus sentimentos para tentar suprir uma construção social acerca do gênero masculino.

Uma das minhas grandes surpresas, ao mediar essas leituras em sala de aula, foi a de que não foi necessário conduzir nenhuma das discussões para uma reflexão final, os próprios alunos contribuíram com suas vivências pessoais e diálogos com que já tiveram contato através da internet, notícias, programas de TV e etc.

Após as duas leituras, foi o momento de apresentar aos alunos uma nova narrativa, da atualidade, o filme ‘’Pantera Negra’’, dirigido por Ryan Coogler, lançado em 2018, que nos apresenta um universo com princesas negras, letradas em tecnologia, mulheres guerreiras, uma sociedade (Wakanda) que nos mostra certa organização de equidade entre homens e mulheres. E, dessa forma, os alunos puderam trazer diversos outros exemplos de personagens que desconstroem os padrões de gênero que são tradicionalmente construídos socialmente.

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(Foto: Elenco do filme Pantera Negra, 2018.)

Por fim, os alunos escreveram seus próprios contos, com seus príncipes e princesas reais, as meninas que não sonhavam em casar, a menina mais bonita pelo fato de ser negra, o menino jogador de futebol que se emociona ao fazer gol, a princesa engenheira, a princesa que ganha campeonatos de vídeo-game e o menino que sonha em ser pai. Os contos e os textos de opinião foram organizados em um livro artesanal que os alunos criaram intitulado ‘’Refletindo sobre estereótipos de gênero em sala de aula’’.

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(Foto: Livro artesanal produzido pelos alunos.)

No desenvolvimento do projeto de estágio, foi possível perceber a importância de refletir, em sala de aula, a respeito das questões de gênero enquanto construções sociais e estimular os alunos a pensarem de forma crítica a respeito desta temática, percebendo então que diversos estereótipos que nos são colocados durante a vida, tanto comportamentais quanto estéticos, são construções sociais e podem ser ressignificados.

Qual é a opinião do governo sobre o avanço desse debate?

Trago esse relato de uma experiência pessoal e bem sucedida de um trabalho em sala de aula sobre temas que muitas vezes são repudiados, bem como o próprio presidente, Jair Bolsonaro do partido PSL, nos traz em seu discurso de posse [1]:

‘’ Vamos unir o povo, valorizar a família, respeitar as religiões e nossa tradição judaico-cristã, combater a ideologia de gênero, conservando nossos valores. O Brasil voltará a ser um país livre de amarras ideológicas.’’

Quando o presidente menciona que quer combater a ideologia de gênero e amarras ideológicas, principalmente no âmbito escolar, ele defende que temas como o que meu projeto abordou seja excluído do processo de aprendizagem do aluno, temas e vivências com os quais os jovens inevitavelmente entrarão em contato e refletirão sobre no convívio vida em sociedade. O processo de aprendizagem, letramento literário, reflexivo e crítico não são amarras ideológicas, como mencionado pelo presidente em seu discurso de posse, mas sim uma forma de letrar cidadãos capazes de serem críticos, se reconhecerem enquanto sujeitos na sociedade que devem cumprir com um papel respeitoso e cordial para com o outro, respeitar toda diversidade existente, seja ela de classe social, raça, religião e sexualidade.

Um dos temas que vem sendo repudiados pelo partido do atual presidente, PSL, é a Educação Sexual nas Escolas, com o argumento de que a Educação Sexual viria a ser uma introdução da criança ao sexo precoce. O que, em minha opinião, é justamente o contrário que pode acontecer se essa temática vier a ser proibida dentro das instituições escolares. Quando não falamos com as crianças sobre seu corpo, sobre a sexualidade, nós estamos protegendo abusadores. Quando uma criança não compreende a anatomia do seu corpo e para o que serve, é uma porta de entrada para manipulação de predadores sexuais, que usam da falta de informação em seu próprio benefício, principalmente na fase da infância, quando há maior vulnerabilidade.

Diversos casos pelo Brasil, em palestras sobre sexualidade em escolas e sobre assédio sexual, culminaram em denúncias:

Crianças denunciam estupro após assistirem palestra sobre abuso sexual e suspeito é preso em MT: https://g1.globo.com/mt/mato-grosso/noticia/criancas-denunciam-estupro-apos-assistirem-palestra-sobre-abuso-sexual-e-suspeito-e-preso-em-mt.ghtml

Menina relata estupro após palestra sobre violência sexual e padrasto é preso: https://g1.globo.com/to/tocantins/noticia/menina-relata-estupro-apos-palestra-sobre-violencia-sexual-e-padrasto-e-preso.ghtml

Criança escreve bilhete após palestra em escola de MT e denuncia pai: ‘Já fui abusada pelo meu pai, isso pode ser denúncia?’: https://g1.globo.com/mt/mato-grosso/noticia/2018/09/18/crianca-escreve-bilhete-apos-palestra-em-escola-de-mt-e-denuncia-pai-ja-fui-abusada-pelo-meu-pai-isso-pode-ser-denuncia.ghtml

Crianças revelam estupros durante palestra de abuso sexual, diz polícia: http://g1.globo.com/sao-paulo/sao-jose-do-rio-preto-aracatuba/noticia/2016/06/criancas-confessam-estupros-durante-palestra-de-abuso-sexual-diz-policia.html

Em outros casos pode vir a informar sobre doenças sexualmente transmissíveis, a importância dos métodos contraceptivos como camisinha e anticoncepcional. De acordo com a [2] União Nacional da Saúde, o Brasil tem gravidez na adolescência acima da média latino-americana, e uma das formas para evitar que esses índices aumentem é justamente a informação, através da educação.

Tendo isso posto, peço que reflitam junto a mim sobre a importância dessas discussões em sala de aula, nas instituições escolares. Desde a temática mais simples, como refletir sobre padrões de beleza e fazer com que os alunos reconheçam o quão são bonitos em sua diversidade, ou compreendam que o consentimento só acontece quando as duas partes estão de acordo com determinada situação até temáticas mais urgentes e fortes, como falar sobre sexualidade, corpo e assédio. Quando falamos em proibir que um profissional da educação leve essas temáticas para dentro da sala de aula, estamos esquecendo toda sua formação e preparo para o tratamento de tais pautas, que não são propriamente ideológicas mas sim questões humanitárias, questões urgentes, que também servem pra formar um sujeito mais apto para viver em sociedade e reconhecer/respeitar os outros em seu redor.

É um assunto delicado, sabemos, mas temos diversos profissionais capacitados para articular essa pauta dentro da educação infantil e juvenil. O que vocês pensam acerca dessa discussão? Deixe sua opinião nos comentários!

Até breve!

[1] https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2019/01/01/bolsonaro-fala-em-combater-ideologia-de-genero-veja-integra-do-discurso.htm

[2] https://g1.globo.com/bemestar/noticia/brasil-tem-gravidez-na-adolescencia-acima-da-media-latino-americana-diz-oms.ghtml

A quem possa interessar: O projeto mencionado nessa coluna foi publicado nos anais do evento SIEPE – Salão Internacional de Ensino, Pesquisa e Educação: http://seer.unipampa.edu.br/index.php/siepe/article/view/38971/23787

Taiza da Hora Fonseca é Acadêmica do curso de Letras Português e Literaturas de Língua Portuguesa na Universidade Federal do Pampa, fez parte do Diretório Acadêmico de Letras no período de 2015 a 2017 e participou como bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) no período de 2016 a 2018. Atualmente faz parte do Movimento Estudantil da Universidade e seus interesses são: Temas Transversais, Política e Movimentos Sociais, Literatura, Poesia e Arte.

Comentários
  1. Eduardo Ruiz

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