Coluna do Saulo

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Por Saulo André Eich

Das perdas inevitáveis aos ganhos necessários

Judith Viorst expôs de maneira muito branda e elucidativa em seu livro denominado Perdas Necessárias” essa lógica quase que nefasta, não fosse ambiguamente encantadora, do que trato já no título deste texto: a necessidade de perder se realmente queremos algo ganhar. Em sua obra, ela começa referindo sobre a primeira grande perda que sofremos na vida, referindo ao processo onde, enquanto ainda bebês, esbarramos na dura realidade de percebermos que o mundo vai além de nossa mãe e que, nesse movimento de individuação, perdemos uma parte que até então era tão nossa quanto nossos braços são. Nesse trecho de Perdas Necessárias”, ela expõe essa angústia de primeira hora lá no início de nossas vidas:

Bebês precisam de mães, às vezes advogados, donas de casa, pilotos, escritores e eletricistas também precisam de suas mães. Nos primeiros anos de nossas vidas entramos em um processo de desistir de tudo aquilo que devemos abandonar para nos tornarmos seres à parte. Mas até aprendermos a tolerarmos nossa separação física e psicológica, a necessidade de presença de nossa mãe – sua presença literal e real – é absoluta.

Se a compreensão da criança sobre o fato de existir um mundo além do universo materno, e de ela própria também constituir um mundo por si só é a primeira ruptura afetiva e física, a vida passa a ser uma sucessão, mesmo que soe pessimista, de perdas. E, se eu perguntasse pra cada pessoa que está lendo esse texto sobre quais foram as mais significativas perdas de suas vidas, certamente alguns, senão a maioria de vocês, iriam remeter o pensamento a aqueles amigos ou familiares que já faleceram. Nossa relação natural com o luto identifica com mais facilidade essas como as perdas mais intensas, e talvez sejam, mas, a gente perde todos os dias de outras maneiras também. Mas calmem, isso não é tão ruim assim.

Fazendo uma relação a um outro conceito materno, do psicanalista Donald Winiccott, podemos entender a importância das perdas em nossa vida bem como da atuação de uma mãe suficientemente boa, que remete a uma concepção apresentada por ele para descrever a importância de um papel materno (e eu estendo ao papel de mães e pais) que não seja pautado por um processo em que todas as expectativas da criança sejam atendidas, mas por um movimento que valorize o potencial que a frustração possui na construção dos indivíduos. Da mesma forma, as perdas representam a construção de indivíduos melhores preparados emocionalmente e com maiores possibilidades de, vejam só, ganhos!

Cada ruptura que vivenciamos na vida não diz respeito somente ao que ali perdemos, mas, a possibilidade de ganho que ali também se abriu. É difícil perceber e assimilar esse modelo de pensar porque, parece que estamos nos limitando a um pensamento mágico de que a vida é boa apesar de suas adversidades. Mas, e não é assim? Por mais romantizada que essa ideia possa parecer, se buscarmos as evidências para essa afirmação assim encontraremos; seja no sujeito que precisa abrir mão de uma relação desgastada, nociva, conflituosa e, muitas vezes, doente, para conceber que nem tudo à sobrevive a idealização individual do que é amor e que, tudo o que foi construído, alimentado e mantido ao longo de todo esse tempo de contrato afetivo, precisa ser desprendido dos desejos futuros pra haver uma melhora emocional; seja no menor adotado que necessita, involuntariamente, vivenciar a ruptura de uma família negligente ou, por diversas razões ausente, para encontrar-se num seio familiar que o reconheça e acolha para que enfim, finque suas raízes afetivas e anseios de um filho ali; ou ainda no filho que precisa aceitar, elaborar e compreender que a morte de um pai é o ponto final deste convívio físico para que enfim consiga se desprender do luto e continuar uma trajetória, mesmo que em alguns momentos tomado pelo saudosismo.

As perdas são, em algum nível, sempre dolorosas e complexas de serem elaboradas e superadas, entretanto, nos colocam frente a uma condição de exercício de suportar a angústia, e de buscar, no tempo e fluxo emocional de cada sujeito, uma alternativa mais confortável de se reinventar e prosseguir. Para toda a desregulação emocional de sentir que nos perdemos junto a esses danos sofridos, existe uma racionalidade, fria sim, mas coerente, de compreender que uma perda nos coloca automaticamente num processo de futuro ganho. E nada mais justo e necessário do que vislumbrar nossa trajetória de vida a partir desta ótica.

Pra finalizar, retornando ao ponto de onde iniciei esse texto e, fazendo alusão àquele momento onde inicia-se também o processo de vivermos ganhando com nossas perdas, me aproprio das palavras de Judith Viorst que refere que a separação ou que as perdas são, em última análise, uma questão de percepção, não de geografia e que, referem-se ao ponto central do eu que não pode ser alterado. Assim acontece na relação mãe-bebê, assim se repete na relação eu-mundo.

Se existirem perdas necessárias, que elas produzam profícuos aprendizados a nós! Até o mês que vem.

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