DANDO MILHO AOS POMBOS¹

Alessandro Carvalho Bica²

Ao afirmar que o passado é uma dimensão permanente da consciência humana, parafraseio Eric Hobsbawm³ (1998), e inicio este escrito constatando que esta consciência dará voz aos elementos de minha memória e de minha existência.

Coxinhas, Petralhas, Mulheres, Homens, Feministas, Machistas, Afro-brasileiros, Indígenas, Racistas, Evangélicos, Católicos, Ateus, Heterossexuais, Homossexuais, muitas cores e diversos estigmas convivem entre e vivem em Docentes, Técnicos Administrativos em Educação, Discentes e Terceirizados de uma mesma Universidade.

Numa mesma lógica, todos fazem parte do universo de ideias e do contexto social da Universidade, neste sentido, todos tomam parte nos diálogos e nas interlocuções de defesa da Universidade Pública e Gratuita. São muitos Joãos, Fernandos, Miguéis e Rafaéis, Marias, Lauras, Júlias e Helenas entre tantos nomes, rostos e lugares de Bagé e do Brasil.

No último dia 19 de maio de 2016, estes Joãos e estas Helenas reuniram-se no transcorrer do dia e da noite no saguão da Universidade Federal do PAMPA, campus Bagé, com um propósito coletivo: “PENSAR” o “CENÁRIO” atual da Universidade.

Todos tomaram parte do discurso coletivo e corpo na manifestação/aula pública, docentes e técnicos administrativos em educação dialogavam sobre a precarização do trabalho e do ensino na Universidade, discentes criticavam a diminuição das verbas para bolsas de permanência, ensino, pesquisa e extensão, terceirizados tentavam salvaguardar seus empregos que estavam na iminência da demissão, todos sem exceção defendiam seus espaços sociais na UNIPAMPA com unhas e dentes afiados.

Naquela quinta-feira ensolarada e fria, vivemos um momento ímpar na história recente da constituição de nossa Universidade, discursos e diálogos defendiam efusivamente uma mesma Universidade, parecíamos estar conectados, mesmos interesses e desejos de Universidade, criou-se um espaço de vivências democráticas, igualitárias, equitativas, cidadãs e dignas das melhores Instituições de Ensino Superior Brasileiras.

O poeta alemão Friedrich Hebbel (1813-1863) escreveu um dia, que: “viver significa tomar partido”, é inegável que todos tomaram partido naquela quinta-feira, ao defender seus discursos teóricos e ideológicos. Contudo, como afirma Fernando Pessoa4: entre o sono e o sonho, corre um rio sem fim, passado a euforia, o êxtase e o encantamento do diálogo coletivo, o que vimos foi um silenciamento de vozes, uma reticência nas ideias e uma mudez de pensamentos como no desenrolar final das cortinas das peças teatrais.

O filósofo italiano Antonio Gramsci5, descreveu em seus escritos, que todos os verdadeiros cidadãos ao atuar no cenário da vida social tomam partido (parte nas decisões), e que quando somos indiferentes aos processos humanos, tornamo-nos iguais a parasitas, a vermes e inevitavelmente covardes sociais, ou ainda, que nossa indiferença será um peso morto para história de nossa humanidade.

Neste sentido, ao tomarmos parte do embate político, é preciso que realizemos o processo de catarse6 pensado por Gramsci, isto é, passarmos de uma consciência egoísta para a consciência universal, do plano da necessidade para o plano da liberdade, das preocupações econômicas para a ação ética e política.

A História da constituição de nossa Universidade encravada no flanco mais meridional do Brasil é um importante projeto político-pedagógico de expansão do Ensino Superior, a sua relação é resultado dos anseios da comunidade e de filiados de um ideal comum de Universidade Pública, Gratuita, Democrática, Participativa, e de qualidade socialmente diferenciada.

Desde a criação de UNIPAMPA em 13 de dezembro de 2005, através de um Acordo de Cooperação Técnica entre o Ministério da Educação e a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e a Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) até a sua primeira aula inaugural em setembro de 2006, compreende-se a dimensão histórica, cultural, econômica, social e educacional desta Universidade para uma região extremamente empobrecida e esquecida pelas políticas públicas e pelas políticas educacionais.

Atualmente, conceitos como Educação Pública, Educação Gratuita, Educação com Qualidade, Educação com Justiça e Educação com Equidade Social são muito caros para nossa sociedade contemporânea, compreendê-los significa entender que conquistas populares não devem estar desassociadas de políticas educacionais.

Nesta conjuntura de observação, é notório que pesados fragmentos recaíam sobre as peças mais fracas do jogo político, áreas vinculadas às políticas sociais, tais como: segurança, saúde e educação saíram inexoravelmente prejudicadas no desenrolar dos próximos meses.

É preciso compreender a existência de um novo projeto político de governo – vinculado a preceitos neoliberais e privatistas -, a presença de discursos excludentes e preconceituosos, a inerente possibilidade de mudanças constitucionais, a cassação de direitos sociais historicamente conquistados e o cerceamento das liberdades individuais, são muitos exemplos das lutas, dos embates e das resistências futuras exigidas para nós (envolvidos com a Educação Superior Brasileira).

Cabe neste momento de inflexões teóricas, de curvaturas políticas e de mudanças políticas e pedagógicas, fazermos a reflexão radical e rigorosa sobre os problemas da realidade educacional proposta por Saviani7, faz-se necessário construir vontades coletivas que correspondam às necessidades que emergem de nossas forças produtivas, bem como entender a contradição entre as forças políticas existentes, o grau da cultura e da civilização expressa pelas relações sociais atuais.

Enquanto NÓS não NOS convencermos da importância da Universidade, da Educação, da UNIPAMPA, da atuação dos Docentes, da importância dos Técnicos Administrativos em Educação, da presença dos Discentes e dos serviços prestados pelos Terceirizados para e na Universidade não conseguiremos mudar nada, absolutamente nada em nossa sociedade universitária ou nossa sociedade.

Após a compreensão interna da importância de nossa própria existência, passaremos ao próximo passo, que é conquistar via consenso e persuasão à direção intelectual e moral da sociedade, ou seja, a Sociedade defenderá a importância de nossa Universidade e de nosso trabalho. Esta ação provocará uma crise positiva, rompendo o discurso histórico vigente, provocando a chamada “crise orgânica” gramsciana, em que a sociedade se organizará em defesa da Educação e assumirá o discurso hegemônico da Educação.

Então, devemos nos perguntar, o que temos a ver com isso? Bom, no caso de nossa UNIPAMPA, por um lado, estamos assistindo mobilizações discentes, com processos de ocupação8 na Reitoria e vários campi universitários, e por outro lado, a constituição de uma frente parlamentar pluripartidária em defesa da Unipampa.

Portanto, o que nós, Coxinhas, Petralhas, Mulheres, Homens, Feministas, Machistas, Afro-brasileiros, Indígenas, Racistas, Evangélicos, Católicos, Ateus, Heterossexuais, Homossexuais, Docentes e Técnicos Administrativos em Educação temos a ver com isso? Parece que alguns de nós estamos paralisados, inertes, prostrados e sonolentos em frente a tudo isto.

Enfim, encerro este escrito com a letra de uma canção do início da década de 1980, de Zé Geraldo que fala exatamente da forma como as questões da vida se impõem sobre nós e de nossa inércia em questioná-las ou quiçá resolvê-las:

Enquanto esses comandantes loucos ficam por aí,

Queimando pestanas organizando suas batalhas,

Os guerrilheiros nas alcovas preparando na surdina suas mortalhas,

A cada conflito mais escombros,

Isso tudo acontecendo e eu aqui na praça,

Dando milho aos pombos;

Isso tudo acontecendo e eu aqui na praça,

Dando milho aos pombos;

Entra ano e sai ano, cada vez mais difícil, o pão, o arroz, o feijão, o aluguel,

Isso tudo acontecendo e eu aqui na praça,

Dando milho aos pombos.

Enfim, a pergunta que fica para nós:

O que podemos fazer frente a tudo isso?

1-  Título inspirado e retirado do refrão da música “Milho aos Pombos” de Zé Geraldo.

2- Professor Doutor em Educação, Líder do Grupo de Estudos em Educação, História e Narrativas da Unipampa, campus Bagé.

3- HOBSBAWM, Eric. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

4- PESSOA, Fernando. Entre o Sono e o Sonho. Lisboa: Ática, 1995.

5- CAVALCANTI, P. C. Uchôa & PICCONE, Paula. Convite à leitura de Gramsci. Rio de Janeiro: Achiamé, s/d.

6- Entende-se o conceito de Catarse como a transformação do indivíduo passivo e dominado pelas estruturas econômicas em sujeito ativo e socializado capaz de tomar iniciativa e se impor com um projeto próprio de sociedade, tanto político como pedagógico. Sobre o conceito, consultar: GRAMSCI, Antonio. A concepção dialética da história. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978 e SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 10 ed. rev. Campinas, SP: Autores Associados, 2008. (Coleção educação contemporânea).

7- SAVIANI, Demerval. Do senso comum à consciência filosófica. Campinas: Editores Associados, 2000.

8- Entende-se ocupação como: uma forma de materialização da luta de classes. Sobre este conceito consultar a obra de FERNANDES, Bernardo M. . A Formação do MST no Brasil. Petrópolis: Editora Vozes. 2000.

Deixe seu comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Junipampa