Precisamos falar sobre a cultura do estupro.

superinteressante

(Edição de julho de 2015 da SuperInteressante)

Ana Isabel de Sousa Amorim

Letras – Linguas Adicionais: Inglês, Espanhol e suas respectivas literaturas(UNIPAMPA

Não é de hoje que o termo “cultura do estupro” vem sendo usado para qualificar as consequências do machismo e do patriarcado. Mas na última semana, precisamente no dia 25 de maio, ele foi propagado nas mídias sociais em falas relacionadas a adolescente Beatriz, 16 anos, que foi sedada e violentada por 33 homens, além de ter o ato gravado e exposto nas redes sociais dos agressores como mérito.

Mas entre tantos “nem todo homem é assim” e “todo homem é um estuprador em potencial” o que realmente tomou força foi “isto é fruto da cultura do estupro”. Mas o que seria essa tal cultura?

Você já se sentiu no direito de fazer algum comentário em relação a alguma mulher devido a roupa que ela utiliza? Já disse em algum momento que “ela procurou” ao ouvir um relato de estupro, em que a vítima estivesse bêbada, com roupas curtas ou andando a noite sozinha? Já separou as mulheres entre “vadias” e “mulheres direitas” devido as suas vestimentas e hábitos sociais?

Se você respondeu “sim” para algumas das questões acima, então conhece bem a cultura do estupro. A cultura do estupro é essa propagação de ideias de que a culpa de crimes sexuais é sempre da vítima, é a ideia de que ela causou seja graças a vestimenta, ao local onde está, ou ao que ela ingeriu. É arranjar sempre uma desculpa para o ato do estuprador.

Ilustração de: http://lorena-carvalho.deviantart.com/

Ilustração de: http://lorena-carvalho.deviantart.com/

Não, ela não se restringe somente a isto! É cultura do estupro quando você não reconhece que estupradores são homens comuns, com hábitos comuns, protegidos pelo patriarcado e pela velha mania social de culpar sempre a mulher. É cultura do estupro quando você objetifica mulheres e as desumaniza.

A cultura do estupro não é algo monstruoso que nos enoja diariamente, não! Ela está em nossos hábitos, em nossas falas, e até mesmo em nossos pensamentos. É ela quem rege a impunidade de crimes sexuais contra crianças, adolescentes e mulheres, é ela quem perpetua o medo de ser mulher no mundo atual.

Infelizmente, Beatriz conheceu o pior lado dessa cultura misógina. Mais de trinta homens a violaram, mais de trinta filhos saudáveis do patriarcado que, em momento algum, a viram como ela era: um ser humano. Esse é o principal objetivo da cultura do estupro, desumanizar a vítima, transformá-la em apenas um acaso. Mas Beatriz não é um acaso, ela é parte da estatística brutal que ceifou a vida de Danielly Rodrigues Feitosa em maio do ano passado. Elas são partes das 47,6 mil pessoas, por ano, vítimas de estupro no Brasil.

Mas, antes que neguem a existência da cultura do estupro, vamos falar de uma outra notícia bem importante: a presença do ator, comediante, e estuprador assumido, Alexandre Frota, no Ministério da Cultura e da Educação para discutir propostas em relação ao ensino com o ministro, Mendonça Filho. Frota, que tenta ser comediante há alguns anos, em uma fatídica noite no programa “Agora é tarde” relatou ter violentado uma mãe de santo e chegou a dizer que apertou o pescoço da mulher com tanta força que ela desmaiou. Meses depois, ele disse ser apenas uma encenação do seu stand up na época. Mas a questão é: desde quando violência contra a mulher tem graça?

Além disso, Frota é declaradamente contra a disseminação do feminismo nas escolas. Em sua biografia relata encontros sexuais com diversas mulheres da grande mídia, mencionando seus nomes sem as suas permissões e as expondo de maneira vil. O que um homem com um comportamento tão misógino tem a oferecer para a educação nacional?

Quanto a educação eu não sei, mas para a perpetuação da cultura do estupro, ele tem muito a oferecer. Esse comportamento de achar graça, expondo mulheres, é comum até mesmo para aqueles que não concordam com ele. Quantos simplesmente ignoraram suas falas neste programa? Quantos Frotas são ignorados todos os dias?

Como diria Martin Luther King Jr, “O que me assusta não são as ações e os gritos das pessoas más, mas a indiferença e o silêncio das pessoas boas”. Quando você se cala diante de um Frota da vida, você aceita seu comportamento como certo, você não o faz parar, mas o permite continuar. Quando você é um Frota da vida, você mata, você mutila e você destrói inúmeras “Beatrizes” todos os dias.

Dizer que não há uma “cultura do estupro” é sufocar o sofrimento de inúmeras mulheres vítimas de abuso, é “cobrir com panos quentes” uma dor que não te afeta. Pois você pode não ser atingido, mas ela existe e ela educa homens comuns para que violentem uma mulher a cada 11 minutos, no Brasil.

Antes que venha com o velho discurso do “eu não sou assim”, afirmo com todas as minhas certezas de que você não faz mais do que a sua obrigação. Não violentar, nem humilhar ou amedrontar uma mulher é uma obrigação sua, ninguém te deve agradecimentos por ser um ser humano decente.

Eu poderia continuar citando inúmeros casos que reafirmam a existência da “cultura do estupro” como o ranking feito por alunos durante o InterUFG que pontuava cada tipo de mulher a ser “comida”. Ou os trotes da Unesp de Botucatu, que consiste em vender as “bixetes” de forma humilhante, como se o ato de vender uma pessoa já não fosse suficientemente humilhante,  e depois levá-las a um bosque próximo a universidade onde elas são amarradas, humilhadas e abusadas. Mas prefiro parar por aqui, acredito que já ficou evidenciado a existência tóxica e cruel desta cultura misógina.

A questão que fica é sobre o que devemos fazer para estancar de vez esse mal de nossas vidas. Com o meu breve conhecimento, ainda não tenho a resposta. Mas comecei com pequenos hábitos: não compactuando com colegas que se sentem no direito de algo sobre as mulheres, me afastando de pessoas que avaliam o caráter das outras pelas vestimentas, e, principalmente, me policiando para que eu não caia no mal de reproduzir tanto ódio quando esta cultura reproduz, jamais me permitindo esquecer que a culpa nunca é da vítima.

Tais atitudes são pequenas, perto do imenso mal causado, mas ainda sim tem alguma força. Talvez, com atitudes como essas, possamos melhorar o mundo para moças como eu, você, ou Beatriz. Talvez haja um princípio cultural melhor no fim do túnel.

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