PORTAS E PORTAIS

doors-1767562_960_720Por: Matheus Santos

Caminho pelo calçadão de minha cidade, ele é desses sujos, quase desamparados. O subúrbio da capital já há muito não é um lugar seguro, mas algo aqui ainda me encanta. As pessoas normalmente estão tão próximas e até mesmo o acender de um cigarro serve de pretexto para que elas troquem meia dúzia de palavras, ao menos. Pensava em muitas coisas no caminho até este ponto. Logo eu, sim. Eu que sempre fui visto como irracional. O findar da juventude é curioso, talvez as pessoas não percebam, mas é neste ponto da vida em que os sentidos começam a deixar de serem unívocos, certeiros. E os ideais? Bom, os ideais passaram muito tempo sendo apenas idealizados. Estão tão distantes, quase que para lá do que é passível de ser visto.

Daqui alguns minutos devo chegar nessa nova entrevista. Encontro-me na fila há tanto tempo. Ainda assim, preciso seguir tentando, afinal, durante minha vida toda sempre disseram-me que quem procura, acha, da mesma forma de que quem pede, é atendido. Particularmente, eu nunca acreditei muito nesses ditados, se bem que acreditar também nunca foi meu forte. Marcado demais pelos rebeldes dias do final do século XIX, não me agrada o romantismo idealizado, possuo sobrenome de Andrade, mas ainda não me adaptei a modernidade das coisas. Quero provar o novo, mas como posso fazer isso se amanhã mesmo este soará velho? Não sei. Sigo em frente.

No horizonte cresce a imagem de uma enorme porta. Eis aqui o local. Para variar, estou soando frio, elas sempre me deixam nervoso. Começo então a refletir sobre todas as possibilidades que se apresentarão por de trás dela. A ideia do que estará do outro lado me assusta. Tantas coisas podem acontecer, há um universo todo lá. É engraçado pensar nesses outros mundos, nos pequenos objetos, na claridade existente para além das coisas que estão visíveis aos nossos olhos, não é mesmo?

Algumas pessoas estão pedindo licença. São faxineiros que varrem as sujeiras dos cantos. Preciso me decidir, faz muito tempo que não arrisco a tocar maçanetas desconhecidas. Voltarei para a casa. Se bem que entrar não seria tão mal assim, das últimas vezes que fiz, tive relativa sorte.

Reflito sobre a situação, não gostaria de concorrer a nada. Perder ou ganhar para mim é irrelevante. Mas começo a ter gosto pela ideia de atravessar esse portal rumo à outra realidade. Portas sempre foram decisivas em minha vida. Ficar parado significa abdicar de conhecer o novo. De não saber o que está acontecendo lá, e talvez o destino nada mais seja do que a representação perfeita de inúmeras portas abertas e fechadas que as pessoas entram ou desistem de entrar. As escolhas são suas, digo, nossas. Resta termos coragem. Se bem que ter coragem nem sempre é definitivo sobre as portas de nossa vida.

Fico parado. Penso. Desisto de seguir, mas a porta já está entreaberta. Lá de dentro, acenam para mim. Tento disfarçar, fingir que não vi. Mas meus malditos sentidos ainda assim tendem a focar numa bela face que sorri em minha direção.

Não irei.

Merda.

Ela está se aproximando. Voltarei para casa. Talvez fechar os olhos ajude. Estaria eu sozinho, agora?

Minha mão puxa rapidamente a maçaneta de volta. Este será outro universo que não terei o desprazer de conhecer. Estou indo embora.

— Olá.

Droga, falaram comigo.

— Aceito uma água, por favor.

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