O que fizeram de você, Lolita?

 

 

Ana Isabel de Sousa Amorim.

Letras – Línguas Adicionais: Inglês, Espanhol e suas respectivas literaturas – UNIPAMPA.

lolita

        Quem nunca ouviu falar de Lolita de Vladmir Nabokov? A doce criança que seduz o homem mais velho com a sua beleza e sensualidade inabalável levando a cometer loucuras? Ou da menina sensual e cativante que consegue fazer dois homens maduros cair aos seus pés? Pois bem, esqueça-a!

            Essa não é a Lolita real. Ela nem ao menos chega perto de ser a Lolita, essa é a visão de Humbert Humbert, o narrador do pseudo romance de Nabokov. Em “Lolita”, um homem de meia idade se muda para a casa de Charlotte Haze e sua filha Dolores. Não demora a Humbert, pedófilo confesso no livro, se interessar por Dolores, apelidada de Lolita.

            Dolores tem 12 anos, bela, inteligente e cativante. Mas, a verdade é que não sabemos qual é a Dolores real, Humbert a narra como um ser altamente sexual que o atrai. Ficamos presos a ideia cruel de que uma menina de 12 anos seduz um homem mais velho. Ao decorrer do livro, Humbert se casa com Charlotte, que vem a falecer, e se torna padrasto de Dolores, vivendo uma falsa relação de pai e filha com a mesma.

            Enquanto a sociedade os vê como uma dupla normal, a menina é abusada, perseguida e tida como objeto sexual. Humbert retrata sua obsessão doentia como uma grande e perturbada história de amor. Mas esse não é sequer o pior ponto. Dolores vem a passar por coisas muito piores até o fim do livro e sendo insistentemente retratada como objeto sexual.

            Se a deturpação parasse na ficção, mas não. Alguém achou adorável tornar uma menina de 12 anos ícone sexual, transformando a história em dois filmes, um de 1962 e outro de 1997. No filme de 1997, Lolita é retratada como uma predadora sexual. Mesmo o livro deixando claro a rejeição da menina, o filme a retrata como alguém egoísta, manipuladora e que mantém relações sexuais com Humbert.

            A questão que vem é: Lolita, o que fizeram com você? A mídia literária e cinematografia tornaram Lolita em um símbolo sexual a ser idolatrado e desejado. Lolita que tem 12 anos e está descobrindo o mundo, que se torna orfã e é obrigada a achar um meio de sobreviver em meio aos abusos do padrasto. Lolita que não tem voz, que é retratada por um pedófilo de 40 anos que nutre interesses pelas ditas “ninfetas”.

            Normalizaram pedofilia, normalizaram abusos, deram uma nova classificação a meninas desenvolvidas sexualmente “Lolitas”. Ignoraram o fato de um homem de meia idade sentir atração sexual por uma criança, e evidenciaram a sua descoberta da sexualidade para utilizar de argumento que era consensual, mas a verdade é que não era e não é.

            Mas, mesmo que fosse consensual, em que universo uma menina de 12 anos tem maturidade para consentir relações sexuais com um homem de 40 anos? Em que universo é normal e aceitável que um homem maduro sinta atração por uma criança?

            Dolores era a Lolita de 1955, desde então existiram inúmeras Lolitas que tiveram seus traumas ignorados e normalizados. Pois, como evidenciado pela narrativa de Nabokov, ninguém se importa com Lolita. Recentemente, em Porto Alegre, uma Lolita veio à tona. Abusada sexualmente pelo pai, ignorada pela família, a menina conseguiu judicialmente a liberação para o aborto e foi humilhada por um promotor que se julgou no direito de culpar a menina pelo que lhe aconteceu.

            É isso que fazemos com Dolores quando acreditamos em Humbert e em seu relato apaixonado de como ele a ama. Não, Lolita não é sobre amor. É sobre pedofilia, hipersexualização infantil, abusos. É sobre uma criança ser tratada como uma mulher, mas continuar sendo criança. É sobre toda uma sociedade ignorar o fato de que há homens estuprando meninas.

            Com o coração dolorido após finalmente falar dessa história perturbadora, deixo aqui a pergunta que motivou este texto: Lolita, o que fizemos com você?

Fontes: http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/policia/noticia/2016/09/declaracoes-de-promotor-contra-vitima-de-abuso-sexual-chocam-desembargadores-no-rio-grande-do-sul-7405953.html

 

Comentários
  1. Eduardo Valente

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