Máquina de fazer coisas (ou não)!

Autor: Flávia Azambuja

Mais um dia comum na pacata cidade de Bagé, tem sol (opa, isso não é comum, ainda mais considerando os últimos dias). Acordo 6h30 como todo santo dia, lerda e mal-humorada como sempre – é, detesto acordar cedo. Sempre digo que um dia não vou acordar tão cedo nem dormir tão tarde, esse dia nunca chega. E por que será que não chega? Em parte a culpa é minha, mas parte da culpa também é do mundo em que vivemos, cada vez mais exigente, dinâmico e rápido que acaba nos tornando eficazes, mas sem alma máquinas de fazer coisas.

Levanto e agradeço por não ter que conversar com minha mãe, sempre disposta demais pra aquele horário. Café, banho, dentes, roupa, saio sempre às pressas, mesmo levantando mais cedo do que julgo necessário. Isso mesmo, sem nem pensar, minha irmã costuma dizer que sou a própria “máquina de fazer coisas”. Será que me resumo a isso?! E você como se “resumiria”?

Espero o ônibus, que sempre atrasa, o motorista sempre sorridente, o cobrador nem tanto. Levo quase uma hora para chegar ao destino, o que em nossa sociedade é uma perda gigantesca de tempo. O trajeto é um momento só meu, em que reflito, leio o que quero – nem sempre – às vezes cumpro obrigações, até nesse local tão sagrado pra mim. Maculei meu lugar (máquina de fazer coisas?) às vezes é preciso.

Chego. Escrevo. Leio. Reflito. Almoço – às vezes esqueço, ou almoço no elevador… Escrevo. Leio. Reflito. Aula. Pergunto. Respondo. Leio. Escrevo. Reflito? Mais um dia que se foi, chego em casa, enfim! Mesmo aqui, às vezes me sinto a tal máquina de fazer coisas, mas hoje não! Minha mãe tá olhando novela. Fala sobre Caio, Bibi e sei lá mais quem. Personagens que não me dizem nada, ainda assim escuto, momentos como esse são raros. Mas nada disso importa, balanço a cabeça. Pergunto algo mais, talvez ela não fale mais nada, talvez fique ali em silêncio, não importa. Não importa a Bibi. Não importa o Caio. Não importa a novela. Não importa nem mesmo nosso silêncio. O que realmente importa é o momento que é só meu e que escolho dividir com ela. Talvez esse seja um dos poucos momentos em que a eficaz máquina de fazer coisas fica pra trás pra dar lugar a alma, leve, sonhadora e que consegue se alegrar e ver beleza nas pequenas coisas nessa estrutura em que fazer coisas é mais importante do que viver.

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