Como ler melhor ou por uma leitura de qualidade / Coluna da Mariane

IMG_20180607_145746_612

Por Mariane Rocha

Olá, leitores,

Se vocês digitarem no google “como ler mais”, diferentes opções de listas irão surgir, muitas delas, acredito, eficazes, com dicas e conselhos sobre como nos tornarmos mais produtivos e lermos mais.

Eu, particularmente, me desagrado dessa noção de que precisamos ler muito e de que sempre precisamos ler mais. Normalmente, ela vem associada à uma noção de literatura como produto, que entende que a literatura vai melhorar nosso vocabulário, vai nos fazer melhores escritores, vai nos ajudar nos vestibulares, etc etc. Não que a literatura não faça tudo isso, mas quando decidimos que a leitura é uma equação (ler mais = atingir determinados parâmetros), ela se torna mais uma obrigação na nossa imensa lista de afazeres que precisam ser cumpridos.

Sendo assim, acho que poderíamos nos perguntar, então, em vez da tradicional pergunta “como posso ler mais livros?”, a seguinte: “Como eu posso ler melhor?”. Mas como assim, melhor? O que eu estou entendendo por ler melhor é aproveitar melhor a leitura, entender as sutilezas do que está sendo lido, curtir o tempo que se passa com o livro e, assim, naturalmente cada leitura vai contribuir com a tua vida de forma significativa, chegando então, possivelmente, no resultado daquela equação.

AF1QipMCNINP3A7lup9SqqiTY_F08e4qhMh6AyVQXq-R=w1080-h1130

Foto: Mariane Rocha

Não existe fórmula certa para se conectar com a leitura de forma que ela te faça imergir na narrativa ou nos versos que estão dispostos nas páginas. Mas, pelas minhas experiências pessoais, posso dizer que os livros que melhor contribuíram para minha formação, aqueles que mesmo após anos eu melhor lembro das histórias, aqueles que eu citaria sem hesitar se me perguntassem quais livros mudaram minha vida, foram livros sobre os quais eu tive a oportunidade de discutir a leitura. Pra mim, enquanto estudante e professora de literatura, essa é uma oportunidade que frequentemente me é dada, já que vivo para ler e falar de literatura (dentre outras tarefas que vou fingir aqui que não tenho para fins de argumentação). Mas para quem trabalha e estuda com outras áreas, imagino que debater as leituras possa ser um desafio, já que ler é, tantas vezes, tão solitário.

O mais legal, no entanto, é que não precisa ser. Além das discussões dentro dos âmbitos escolares e acadêmicos, existem tantas esferas que são tão ricas para compartilharmos nossas leituras. Vou dar dois exemplos sobre oportunidades de debate de literatura que eu tive fora da Universidade.

O primeiro deles, foi um Clube do Livro, criado por mim e por um amigo no fim de 2016, que se estendeu até meados de 2018. Líamos um livro por mês e, às vezes, não conseguíamos nos encontrar, mas devemos ter lido juntos pelo menos umas 10 obras ao longo desse período. Esse é o tipo de atividade que não precisa de nenhum investimento. Fazíamos um evento no Facebook, cada um convidava as pessoas que achávamos que poderiam se interessar e nos encontrávamos em algum café ou, se o dia estivesse bom, em alguma praça. No último ano, fizemos uma parceria com a Casa Pitanga, um espaço cultural coletivo da cidade de Bagé, e os encontros aconteciam lá. Combinávamos as leituras, líamos e no dia do encontro conversávamos sobre ela, tomando chimarrão ou café, de forma bem descontraída. O clube era um incentivo para ler e uma maneira confortável de compartilharmos nossas impressões.

O segundo exemplo, talvez seja ainda mais fácil de fazer que o primeiro: internet. Não existe maneira melhor de nos conectarmos com aquilo que gostamos do que através da internet. Pelo Instagram mesmo, já que passamos tanto tempo rolando o feed, por que não seguir pessoas que falem sobre livros? No meu caso, eu sigo vários booktubers que estão sempre comentando sobre leituras que estão fazendo, muitas vezes nos próprios stories, e assim, eu não preciso ir muito longe para ouvir opiniões sobre livros que eu já li e para conseguir indicações de novas leituras que podem me interessar. Vou deixar aqui o @ de duas pessoas que falam sobre livros no insta, a @jessicavmattos, que é também formada em literatura, e está sempre fazendo resenhas, indicando leituras, comentando aspectos polêmicos e controversos dos estudos literários; e a Julia, do @emversoeprosa, que além das resenhas, tira umas fotos maravilhosas dos livros e do universo literário. Se eu não me engano, ambas já fizeram projetos de leituras conjuntas, como o clube que eu citei, só que a distância, através do próprio Insta e também do Whatsapp. 

Esses dois exemplos são maneiras simples de conseguir discutir o que lemos e, assim, aproveitar mais as nossas leituras. Existem outras formas, lógico, de lermos com uma qualidade maior e nem todo mundo gosta de compartilhar suas impressões com outros. Para alguns, ter um caderninho e escrever sobre o que leu já é o suficiente. O importante, no fim das contas, talvez seja simplesmente parar para se perguntar de que forma podemos aproveitar mais aquilo que lemos. E se sentirmos mais prazer com as leituras que fazemos, se nos conectarmos cada vez mais profundamente com os livros ao nosso redor, quem sabe não vamos, no fim das contas, acabar lendo mais?

*** poeminha para animar a semana 

Primeiro poema (Ana Martins Marques)

O primeiro verso é o mais difícil

o leitor está à porta

não sabe ainda se entra

ou só espia

se se lança ao livro

ou finalmente encara

o dia

o dia: contas a pagar

correspondência atrasada

congestionamentos

xícaras sujas

aqui ao menos não encontrarás,

leitor,

xícaras sujas. 

beijos e até a próxima coluna,

Mariane é leitora desde que se conhece por gente, graduada em Letras, especialista em Literatura Inglesa e mestra em Letras na área de Literatura Comparada. Atualmente é professora de Português, Literatura e Inglês no IFSul em Jaguarão e doutoranda em Letras, com ênfase em Literatura, cultura e tradução na UFPel.

Deixe seu comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Junipampa