Coluna do Saulo

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Por Saulo André Eich

Bio: Psicólogo clínico Infantil e Adulto, de abordagem Cognitivo Comportamental, em Bagé/RS

Milhas e milhas distante: As implicações emocionais de ir morar longe de casa para estudar

Seja qual for a situação, cada um de nós tem o desejo e a necessidade de se sentir bem quisto e acolhido. Algumas pessoas têm uma necessidade maior disso, e outras, menor. Basta fazermos o rápido exercício mental de nos reportarmos a momentos onde estávamos em uma situação social que pra nós era desconfortável; fosse aquela vez no pub onde nós fomos e algumas pessoas ficaram nos observando e demonstrando estarem fazendo comentários pejorativos a nosso respeito, fosse nas vezes em que no corredor da universidade todos da turma conversavam aparentando um bom entrosamento, enquanto só a gente estava sentado sozinho, ou seja, por qualquer outra situação social e cotidiana simples como essas que citei, nosso desejo real, escondido atrás daquela vontade de sair correndo da situação, é o de sermos acolhidos e aceitos da forma que somos, ou em outras palavras, querermos nos sentir em casa.

O desafio de estudar longe da cidade natal e da família para algumas pessoas acaba por ser um processo sem muitas turbulências, mas, para muitos, revela algo parecido com isso o que eu falei aqui, a necessidade de se sentir acolhido num ambiente novo e com elementos incialmente desconhecidos. E, isso pode se tornar, para quem aceita esse desafio, uma imersão muitas vezes dramática num processo de mudanças radicais que o estudante precisa enfrentar. Imaginemos um jovem que atravessou o país de norte a sul pra viver o seu sonho e, nessa travessia deixou lá, distantes, muitos elementos físicos importantes: família, amigos, casa, mas, trouxe junto extensões subjetivas que o mantém emocionalmente conectado a esses elementos físicos: o amor que sente pela família, o apego que sente pela casa e pela cidade de origem, e a saudade de tudo o que vai ficar geograficamente longe por um determinado tempo. E as vezes é um longe tão longe, que inviabiliza aquele abraço mensal, bimestral, semestral. Em muitas vezes esse abraço só acontece quando as casas já estão se enfeitando para o natal.

Além disso, há um outro aspecto presente nesse contexto, considerando aqueles que ficam em casa, sobretudo os pais. Uma condição psicologicamente conhecida como “síndrome do ninho vazio” que, em uma descrição superficial, remete à dificuldade que os pais encontram ao verem os filhos partirem para longe de casa, seja para estudar, seja a trabalho. Uma condição identificada principalmente em mães, nos primeiros meses que seguem a data em que os filhos mudam da casa da família para o novo local onde irão residir. Essa condição pode acabar por criar um elemento a mais nesse nó de saudade e solidão que se cria, se tornando um fator que acaba contribuindo com o sentimento de insegurança que alguns filhos vivem nesse processo de mudança de casa, de cidade, e de vida.

E, para além das questões de ordem afetiva e relacionadas a vínculos familiares, a realidade encontrada nos elementos sociais, culturais e comportamentais da cidade onde o universitário vai residir e estudar, nem sempre desempenha um papel continente e acolhedor, pelo simples fato de se tratar de um ambiente que difere daquele ambiente no qual este estudante estava habituado. Isso parece tão simples de ser resolvido com uma razoável dose de “dar tempo ao tempo” até construir-se uma condição de habituar-se ao novo espaço de se viver e conviver, mas, na prática não é tão simples assim. Ouço relatos de pacientes nessa condição, com dificuldades pontuais de adaptação que persistem por um longo período.

Entretanto, todos esses aspectos aparentemente negativos explicitados aqui não devem ser encarados como desestimuladores e sim, como um mapeamento de questões importantes a serem dribladas, ajustadas, elaboradas e por que não, superadas?

Administrar a saudade e os desafios que morar longe de casa para muitos impõe não é uma tarefa fácil e requer um equilíbrio que eu resumo aqui entre três pontos a serem considerados e exercitados. O primeiro, diz respeito à compreensão do caráter transitório dessa condição de residir longinquamente a fim de realizar os estudos, isto é, nada está determinado de maneira definitiva, os projetos que desenvolvemos hoje, sejam na área profissional, acadêmica ou afetiva, são projetos atuais que estão nos encaminhando para desdobramentos que irão trazer novas mudanças e, inclusive, considerando o contexto exposto aqui, proporcionar a possibilidade de retornarmos para perto de nossa família, se assim entendermos ser o ideal.

O segundo ponto se refere a um exercício cognitivo de identificarmos esse processo como uma oportunidade concreta de construção e aperfeiçoamento de uma noção de responsabilidade, onde o indivíduo que vive a experiência de morar longe da família absorve aprendizados que vão além das salas de aula, e que ensinam sobre meios básicos de sobrevivência, através da descoberta individual de suas habilidades para manter uma casa organizada e com as finanças em dia, ou dividir uma república com desconhecidos, por exemplo. Aprendizados esses valiosos, e que não vão estar descritos no histórico escolar do curso superior, mas que têm proporcional importância na construção dos sujeitos.

E por fim, destaco o terceiro ponto, que se refere à habilidade a ser exercitada, de encarar o processo de formação como uma caminhada gradual, dividida em pequenas etapas a serem concluídas uma por uma e, encaradas sempre que possível, individualmente no que diz respeito à questão temporal, até se chegar à etapa mais importante, que é a conclusão acadêmica, e não como uma jornada de vários anos a ser perseguida obsessivamente do início ao fim. Afinal, se concentrarmos nosso foco e nosso esforço no semestre atual e nas demandas realmente necessárias de serem pensadas e executadas hoje, o processo se torna um pouco mais leve.

A forma como cada um reage à mesma situação é sempre única, e por isso orientações nesse sentido possuem um caráter geral. Orientações específicas e elaboração de emoções e sentimentos podem ser trabalhados em acompanhamentos profissionais qualificados. E isso é possível encontrar tanto no serviço público de saúde, quanto no privado. Centros de Atenção Psicossocial (Caps) do Sistema Único de Saúde, consultórios e clínicas particulares oferecem acompanhamento psicoterapêutico. E, existe ainda uma outra alternativa válida e bacana que se chama “Centro de Valorização da Vida” ou, CVV. Um serviço gratuito e anônimo oferecido a qualquer indivíduo através do número gratuito 188.

Nunca é fácil e simples lidar com situações potencialmente geradoras de emoções que nos desestabilizam, e tudo requer uma construção e treinamento constantes de habilidades cognitivas e sociais que nos levam a otimizar as situações e enxergá-las de maneira mais assertiva, a exemplo dos três pontos de equilíbrio pra encarar a missão de cursar uma faculdade longe de casa, que descrevi neste texto.

Bom ano de estudos, saúde física e mental pra todos nós. Até o mês que vem!

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