Afinal, para que serve a secretaria de cultura de Bagé?

Ézio Sauco

Aqueles que acreditam que a cultura serve,

sobretudo, para desestabilizar visões de mundo

e compreender a força crítica

das formas estéticas  deveriam parar

de falar em voz baixa.

– Vladimir Safatle.

[…] a arte é a exceção de um processo

do qual a cultura é a regra.

-Teixeira Coelho.

Há de se pensar qual o papel da secretaria de cultura de Bagé. Obviamente que uma parada para refletir qual o papel dessa secretaria passa pela exigência de pensar, de forma geral, quais os objetivos de uma secretaria de cultura. Parece-me que esse órgão possui uma tripla responsabilidade: a manutenção de espaços (equipamentos culturais), o suporte à eventos e a coordenação de espaços de formação para linguagens artísticas.

A preocupação com essas responsabilidades implica na constituição de um contexto de produção e de circulação das artes. Como isso acontece? Uma atividade necessita de espaço adequado para sua realização, uma exposição ou uma instalação possuem peculiaridades constitutivas (estruturais) a seu modo, assim como a montagem de uma peça teatral exige um equipamento diverso (teatro) e um museu implica em um ambiente ainda mais específico para a preservação de seu acervo. E é para que essas atividades ocorram que os equipamentos culturais (prédios/espaços) devem estar à disposição dos artistas e do público de forma clara e instrumentalizada.

Isso implica, mas não se limita, a dar suporte a eventos dessa natureza, porém, por estarem utilizando um espaço legitimado, eventos esses que possuem maior estabilidade, outros eventos idealizados e organizados de forma independente – como saraus, rodas de música, bandas-marciais, dança não-acadêmica, teatro de rua – são mais frágeis na busca por parcerias, de tal maneira que contam com algum auxílio do poder público para que sua existência perdure. A instabilidade costumeira dos gestores acaba destruindo essas atividades, já que a cada ano elas dependem da boa vontade de indivíduos e relações pessoais para que se consiga apoio, caso não se conheça as pessoas certas, o evento morre. Assim, conseguir apoio para organizar uma atividade passa, muitas vezes, por bajular políticos e aparecer em colunas sociais, ao invés da sua pertinência na consolidação de um contexto.    

E por último, e talvez a menos evidente, uma secretaria de cultura deve se ocupar sim de espaços (para não usarmos a famigerada palavra “escola”) que possibilitem uma formação ampla nas variadas formas estéticas e técnicas das linguagens artísticas. Aqui corre-se o risco de sugerir que esse órgão deva ser uma extensão da secretaria de educação com a finalidade de fazer assistencialismo barato, como costumeiramente é visto pela sociedade, mas não é nada disso. Trata-se de possibilitar aos interessados conhecer repertórios que eles não possuem acesso no cotidiano, não para serem reproduzidos, e sim, que tenham a liberdade de conhecer diferentes tradições artísticas e ferramentas de análise para interpretá-las e poderem fazer suas escolhas.

Voltando ao início: A afirmativa colocada na primeira linha do primeiro parágrafo é resultante de duas notícias que circularam no último mês de novembro: Uma que noticiava o cancelamento do projeto “Praça do Samba” (leia aqui) e outra a respeito da impossibilidade da transferência de responsabilidade do Estado para o Município do Centro de Desenvolvimento da Expressão Odessa Macedo (confira aqui). Em ambos os casos a secretaria de cultura coloca que não irá se comprometer com essas questões: Uma se trata de dar suporte a uma iniciativa e outra de se responsabilizar por um espaço de ensino (pintura, teatro, etc).

Então retorno ao título do texto: Para que serve SC de Bagé?

No caso do projeto “Praça do Samba” a secretaria só precisaria dar o suporte de um toldo, cadeiras e um som. Ela não consegue nem fazer isso? Não há recursos nem para isso?

No outro caso, que envolve uma maior complexidade administrativa, fica claro que os gestores de Bagé nunca perceberam que para haver contexto artístico é preciso também formação (alguns diriam: fomento) para tal. Caso contrário, se ficará a lamentar eternamente por não ter aparecido um novo Grupo de Bagé. Mas em que contexto eles atuariam? Iriam circular por quais espaços para compartilhar experiências e aprender? Ou os gestores dessa cidade acreditam na ideia romântica (de quinta) de que um artista-visual, um músico, um escritor nascem prontos? Se um deles disser para uma bailarina algo assim acabaria com um olho roxo. Ela sabe das dores e concessões que teve que fazer para atingir um determinado grau de maturidade, da mesma forma um músico, que passa horas e mais horas do seu dia ensaiando. Se os músicos e dançarinos possuem o IMBA (último bastião da resistência, apesar das enormes dificuldades que sofre), um leitor curioso/escritor-aprendiz morre a míngua esperando por ações de uma biblioteca pública que fecha às 14 horas e um jovem que busca se desenvolver na atuação não tem para onde fugir. Em que local essas pessoas se encontrariam para conversar e, quem sabe, estabelecer um cenário artístico integrado ou em diálogo? Na Casa de Cultura Pedro Wayne, aquela que ninguém sabe o horário de funcionamento? Fechará também às 14 horas?

Falta aos gestores perceberem que é necessário haver contextos para que as ações frutifiquem, senão elas desaparecem com o tempo. É necessário que haja os espaços abertos em horários adequados para as ações (Casa de Cultura, Porão do Palacete, Centro H. de Santa Tereza etc), que haja algum suporte para elas, fortalecimento e real valorização de espaços de formação como o IMBA, Centro Odessa Macedo e a Biblioteca Pública Dr. Otávio Santos. A dissociação desses objetivos causa um bloqueio que impediu e impedirá o surgimento de criadores de arte e apreciadores.

Mas a conta não deve ser cobrada só dos gestores. Quantos de nós sai em defesa do IMBA, de uma melhor estrutura e de um melhor salário para os professores? Quantos de nós reclamou do horário escandaloso da biblioteca? Ou melhor, refazendo a pergunta, quantos de nós realmente frequenta a biblioteca? E a Casa de Cultura, teria atividades para ficar aberta até o anoitecer? Já brigamos por um orçamento maior para a secretaria de cultura? Os jornais sequer mencionam os valores referentes a ela quando se trata do orçamento municipal.

É um círculo vicioso. Se os espaços estão fechados ninguém vai e se ninguém vai, eles não abrem. Construir contexto é uma tarefa árdua. Mas não serão burocratas que nunca leram um livro que o farão.

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