Não tem alternativa fácil / Saulo Eich

image1Imagem: Istoé

Nesses últimos dias, temos presenciado e participado de discussões envolvendo a questão de saúde mundial que estamos vivenciando. A divergência maior que parece contrapor as pessoas se concentra entre a necessidade de ficar em isolamento social, a fim de evitar uma maior disseminação do vírus num país que não comportaria todos os doentes em seu sistema de saúde, e a necessidade de não paralisar a economia, a fim de evitar uma possível recessão, o que ninguém precisa ser um grande economista para entender que é um problema e tanto. Mas, eu não quero trazer pra cá essa discussão já tão explorada nas redes sociais. O que eu quero trazer aqui é a possibilidade de pensarmos no lugar real que essa crise nos coloca e a forma emocionalmente real de percebermos ela. E pra isso, é preciso entender, assimilar e aceitar o seguinte: não existe alternativa fácil. Não tem uma opção a se fazer que nos recoloque imediatamente nos trilhos da normalidade e apague os reflexos do que estamos vivenciando.

Ali na frente, muitos vão sofrer as consequências econômicas, talvez todos nós direta ou indiretamente. Uma parte, talvez, vai sofrer as consequências emocionais refletidas na ansiedade,  nos comportamentos obsessivos compulsivos ou no funcionamento psíquico do pânico. Uma outra parte, desejamos que bem pequena, já que é impossível evitar, vai, e já está, lamentando a perda de familiares por conta do covid-19. A forma como percebemos a questão hoje não vai mudar o que é inevitável, mas pode contribuir para amenizar um pouco os dramas que precisamos encarar. Nesse sentido, penso ser importante validar e explorar nossa capacidade de ponderar sobre as situações e sobre a situação em especial: o que, num cenário difícil de várias formas, é essencial agora e será essencial daqui a 3, 4, 5 meses ou mais? Na minha escala pessoal de prioridades, coloco minha saúde e a saúde das pessoas mais vulneráveis que estão próximas a mim, e isso é duro, pois como profissional autônomo que sou, reconheço e me preocupo com o impacto financeiro que a redução dos serviços e trabalhos vai gerar. Mas não falo sobre mim. Uso meu exemplo pra pensar sobre, que cada pessoa pode e deve priorizar o que é fundamental para si nesse momento. Como poderemos, por exemplo, argumentar com uma mãe autônoma que precisa trabalhar para o sustento de sua casa e de seu filho? É triste e é difícil. É altamente compreensível.

Podemos acreditar e priorizar aquilo que entendemos ser necessário. Não existe alternativa fácil. O que não podemos é negligenciar o fato de que economias mundiais de proporções distintas estão reduzindo seu ritmo e se recolhendo em suas residências, porque seus governantes sabem a dimensão que o problema está tendo e ainda pode vir a ter, se hoje não sejam feitos os sacrifícios necessários. É difícil, e soa até mesmo hipócrita, optar por uma coisa ou outra, pela preservação da saúde das pessoas ou pela preservação da economia. Mas, o que parece mais letal nesse momento? Trata-se de uma condição de saúde ainda não controlada e sem uma cura encontrada. Talvez ali na frente, com a pandemia controlada e o tratamento medicamentoso eficaz encontrado, a dimensão do problema encolha e a gente passe a ver a crise econômica como o grande monstro da vez, e não vai ser o caso de replicar “eu avisei” aos quatro cantos, a todos aqueles que hoje estão tentando prezar pela saúde de si e dos outros, pois, hoje essa é a maior demanda.

É difícil acreditar na ideia de que as pessoas estão se valendo dessa situação pra simplesmente não trabalharem. Ao longo da semana, li várias postagens referindo que “estão todos virando esquerdistas pelo tanto de tempo que já estão em casa sem trabalhar”. É difícil concordar com a ideia de que a cabeleireira que trabalha de dia para comprar alimento a noite fechou seu salão gozando da prerrogativa de ficar em casa de pernas pro ar curtindo essas “férias coletivas”. As pessoas, todas elas, as que concordam com a necessidade desse isolamento social e as que discordam disso, estão o fazendo por uma razão contrária a sua vontade: uma das mais significativas e sérias ameaças contemporâneas que a população mundial está enfrentamento em termos de saúde. Ninguém queria isso. Mas não fazer nada pra se proteger nesse momento não seria uma alternativa inteligente. Não tem alternativa fácil. Esse é o lugar que esta crise nos coloca, o difícil lugar onde nenhuma e nem outra decisão soa confortável, onde parece que para optar pela garantia de nossa saúde, colocamos em risco nossa vida financeira, ou vice-versa. Um dos mais ingratos e dolorosos lugares que fomos conduzidos pelo destino a estarmos.

Mas, como sempre procuro orientar em psicoterapia, é fundamental entendermos que o lugar onde a vida nos colocou pelas razões que forem, não precisa e não deve ser reconhecido como nosso lugar definitivo. Se fosse pra pensar ludicamente, daria pra associar àquelas fases difíceis nas quais entramos, a medida que vamos evoluindo num jogo de videogame. A gente começa o jogo apreensivo, sendo surpreendido com obstáculos inesperados e mais ou menos difíceis,  mas o que nos motiva é a certeza de que aquilo é superável. E quando vê, a gente atravessou toda a fase e encontrou a porta de saída. Ou seja, não ficamos presos no lugar da angústia. Ver as adversidades aí, na vida real, é imensamente mais angustiante e doloroso, mas tenham certeza que é igualmente uma fase a ser superada e não “o fim dos tempos” ou o “fim do mundo”, como muitas pessoas interpretam. Talvez daqui alguns meses muito do que está sendo feito hoje será visto como exagero. E tudo bem, como diz o ditado, vai ser muito melhor perceber que pecamos pelo excesso do que chorar por tudo o que poderia ter sido feito e jamais poderemos fazer diferente. No dia de hoje,  26 de março de 2020, são 500 mil infectados pelo covid-19 no mundo. E 22 mil mortos. Cuidem-se.

 

Até o mês que vem.

 

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